Em minhas pesquisas sobre as origens de meus antepassados tenho feito descobertas extraordinárias. Desde criança eu demonstrava interesse em conhecer nossas origens, mas poucos de meus familiares podiam oferecer-me alguma informação que fosse além de seus avós ou bisavós. Havia não apenas pouco interesse em conhecer nosso passado, mas como também eu percebia uma certa má vontade dos mais velhos em aprofundar-se mais sobre o tema.
Em 1965 meu pai presenteou-me com o livro Serra da Saudade, escrito por meu tio-avô Carlos Cunha Corrêa, que meu pai recebera do autor muito tempo antes, pois, além de sobrinho, era seu afilhado. Fiz uma primeira leitura rápida em função do tempo que me era muito escasso, já que eu cursava naquela época o 2o. ano da Faculdade de Medicina da UFMG. Desde então, meu interesse pela nossa genealogia brotou. Cheguei mesmo a fazer, em 1965, alguns esboços, em forma de tronco de árvore com seus galhos representando cada nome dos nossos ancestrais descritos por meu tio.
Há cerca seis anos, após concluídos os trabalhos e publicado meu quarto livro na área de medicina e neurociências, decidi-me a dedicar novamente às leituras de nossa genealogia, acompanhados da leitura de textos de história do Brasil, da América espanhola, de Portugal e da Espanha. Foi quando um mundo novo se descortinou para mim. E, a cada dia, faço novas e fascinantes descobertas. Reforço aqui a afirmação de que não sou historiador ou genealogista, mas um diletante interessado por esses temas por demais fascinantes.
Abraham Ortelius. Americae Sive Novi Orbis, Nova Descriptio, 1595 (36x50,5cm).
Eu sempre ouvira falar que nomes familiares que representassem plantas e animais seriam de origem judaica. Mas, meu conhecimento nunca ultrapassara esses limites. Sabia também que a família Oliveira era uma das mais tradicionais famílias apontadas como tendo origem judaica. Após muitas leituras, que continuam, pois nas últimas décadas um volume considerável de livros, teses, dissertações e todo tipo de apresentações e textos na internet veio a lume, pude descobrir um pouco desse mistério que rondava o passado de nossas linhagens familiares. Logo no início certifiquei-me de que não havia mais dúvidas: somos mesmo descendentes de famílias judaicas. Mas, como pode ser isso, já que meus antepassados vivem há mais de dois séculos na região do Alto São Francisco e Oeste de Minas Gerais? Como foram parar lá, naquilo que muitos chamam de "fim de mundo"? É o que tentarei agora responder, pelo menos parcialmente, dentro dos modestos conhecimentos que tenho adquirido.
Quanto mais pesquiso e leio, mais fascinante vai se tornando essa história que, na realidade, é uma verdadeira saga de famílias. Assim como o Oeste norte-americano foi desbravado por um punhado de gente corajosa, temerária e aventureira, conosco aconteceu alguma coisa semelhante. Mas não no sentido de desbravar o sertão utilizando da violência, do genocídio e da crueldade contra os povos autóctones, da destruição de toda a cultura antes existente, somente com o fito do enriquecimento pessoal e de suas família. Esta saga tem outra conotação completamente diferente. Vamos a algumas considerações do que já é sobejamente conhecido pelos historiadores e genealogistas.
Joan Oliva. Carta Portulano do Mediterrâneo, c.1610 (54x94,7cm).
Das Erst General/Inhaltend die beschreibung...
Sebastian Münster,1550-1578 26,4x37,7cm
A presença de judeus na Península Ibérica remonta aos tempos bíblicos. No Livro de Jonas há o relato de que este profeta foi designado pelo Deus de Israel para ir até Nínive, na Assíria, então conhecida pela sua crueldade com os inimigos, matando-os pela crucifixão, empalamento ou até esfolamento vivo. Com receio do povo assírio e de sofrer alguma violência, Jonas fugiu em um pequeno navio em direção a Tarsis, do outro lado do Mar Mediterrâneo (Mar Interior, para os romanos). Tarsis, hoje se sabe, fica na região sudoeste da Espanha, mais exatamente na Andaluzia. Os Fenícios e Gregos a chamavam de Tartessos.
A distância era tão grande que há referências de que se levava um ano nesse trajeto. Ainda próximo à costa da região assíria, uma violenta tempestade irrompeu, com risco do barco sossobrar. Os marinheiros, receosos de que isso se devesse à ira do Deus de Israel, em função da fuga de Jonas, o jogaram ao mar. A tempestade imediatamente serenou, mas, por ordem de Deus, um grande peixe o abocanhou e ele ali passou três dias e três noites, sendo depois depositado são e salvo em uma praia para que pudesse dar continuidade à sua missão.
Página do livro do Profeta Jonas. Pode-se ver no desenho o profeta sendo atirado ao mar pelos marinheiros enfurecidos e, ao mesmo tempo, sendo abocanhado pelo grande peixe.
Reproduzido de: Fainguenboin, Guilherme; Valadares, Paulo; Campagnano, Anna Rosa. Dicionário Sefaradi de Sobrenomes. Inclusive cristãos-novos, conversos, marranos, italianos, berberes e sua história na Espanha, Portugal e Itália. 2ª. Edição Revisada. Rio de Janeiro. Editora Fraiha, 2004; pág. 26.
A tradição oral nos diz que desde os tempos de Salomão (930-931 a.C.) um grande número de judeus emigrou para a Península Ibérica, ora fugindo às perseguições de assírios e babilônios, ora em busca de uma terra prometida, que se assemelhasse muito em geografia e clima com a sua amada Eretz Israel (terra de Israel). Foram sucessivas levas de judeus que emigraram. No século anterior a Cristo existem referências de novas emigrações.
Rei Salomão, filho de Davi, em seu trono.
Reprodução presuntiva do primeiro templo de Salomão.
Mas, foi com a destruição do segundo templo de Salomão, pelas legiões do imperador romano Tito (70 a.D.), quando houve a diáspora de judeus por toda a Europa, Oriente Próximo e Ásia, que houve uma maciça emigração judaica para o território das duas províncias romanas, a Hispânia Citerior e a Hispânia Ulterior. Os judeus foram massacrados e, os que fugiram, foram então, proibidos de voltar à Palestina e seriam punidos com a morte caso o fizessem.
Arco de Tito, em Roma, com alto-relevo que reproduz a expoliação das riquezas encontradas no templo de Salomão e levadas para Roma como presas de guerra.
Ruínas do segundo templo de Salomão. Pedras atiradas do alto das muralhas pelos soldados romanos em 70 a.D.
O primeiro texto a fazer referência à presença de judeus na Espanha é a Refundição da Crônica, de 1344, que se supõe ter sido escrito por um judeu convertido no século XV. Posteriormente, vários outros relatos escritos são encontrados relatando a contribuição fundamental dos judeus para a civilização ibérica, já que todos eram alfabetizados e exerciam profissões de alto valor para uma nação que se desenvolvia e planejava sua sobrevivência em meio ao caos das invasões bárbaras. Eram filósofos, escritores, médicos, arquitetos, engenheiros, geógrafos, cartógrafos, astrônomos, contadores, escrivães, comerciantes, homens do mercado financeiro, ourives e exímios conhecedores de metais preciosos como prata, ouro e pedras.
Os judeus denominaram essa Terra Prometida de Sefarad, que em hebraico significa terra prometida. Daí o nome de judeus sefaradi ou sefarditas. Os judeus que emigraram para a Europa Central, Europa do Norte e Leste Europeu são chamados de Ashkenazy. Estes, alguns séculos depois, também emigraram para a Península Ibérica, em decorrência de perseguições religiosas e étnicas, aumentando consideravelmente a riqueza cultural desta região européia, dona de um clima e geografia privilegiados.
Outras referências à presença de judeus na Península Ibérica encontramos no historiador clássico judeu Flávio Josefo. Ele menciona os tubalinos, descendentes de Tubal, que os gregos chamavam de Íberos. Na Bíblia, Tubal é filho de Jafé e neto de Noé. Os povos primitivos da Península Ibérica, assim como o povo grego, receberam inúmeras levas migratórias. Entre esses povos podemos incluir: os celtas, os fenícios, os judeus, os gregos, os romanos, os visigodos e os berberes (muçulmanos ou mouros).
O Livro do Profeta Obadias (Ovadiayu, em hebraico) se refere à presença judaica em Sefarad (alguns acreditam tratar-se da região de Sardes, na Ásia Menor). Vejamos Ob. 1:20:
"(...) e os cativos de Jerusalém, que estão em Sefarad, possuirão as cidades do sul".
Entretanto, vários autores judeus, identificaram o termo com a Hispania, daí a tradição de que a palavra Sefarad se refira à Península Ibérica. Imagina-se que os primeiros judeus aportaram à Ibéria com os comerciantes de Tiro, os Sidônios (ou Fenícios), que eram os maiores navegadores da época.Existem relatos do século I indicando que algo em torno de cinquenta mil judeus haviam se estabelecido no sul da Península Ibérica. Alguns Concílios da Igreja Católica Romana ocorridos em Orléans (548 a.D.) e em Toledo (633 a.D.), referem-se à presença judaica na Península. Desde a Alta Idade Média que se sabe da presença maciça da comunidade judaica em Sefarad. Com a destruição do segundo Templo de Salomão, Sefarad tornou-se a mais importante comunidade judaica no mundo, contribuindo para o desenvolvimento cultural, social, econômico e financeiro, religioso de toda a região, então uma das mais importantes do planeta.
Algumas notas sobre Tartessos
A primeira civilização do Ocidente conhecida pelos gregos era conhecida como Tartessos. Decorrente da cultura megalítica da Andaluzia, desenvolveu-se em um triângulo formado pelas cidades de Huelva, Sevilha e São Fernando (em Cádis), no sudoeste da Península Ibérica. Em seu centro corria o rio Tartessos, batizado de Baetis pelos romanos e de Guadalquivir pelos mouros. Acredita-se que o povo tartesso tenha desenvolvido uma língua e escrita diferente da dos povos vizinhos e com influências culturais dos egípcios e fenícios.
Ainda não se encontrou uma cidade com esse nome, mas documentos revelam a existência de povoados ao longo do vale do rio Guadalquivir, para onde se expandiram os tartessos. Acredita-se que sua capital tenha sido Turpa, onde hoje se localiza o porto de Santa Maria, na foz do rio Guadalete. É provável que esta civilização já existisse antes de 1.000 a.C., voltada pra o comércio, a metalurgia e a pesca.
Os fenícios chegaram por esta época e se estabeleceram em Gadir (atual Cádis) e estenderam seus domínios para as terras e cidades nas vizinhanças. Foram descobertas minas de cobre e prata o que muito contribuiu para o comércio de bronze e prata levando o desenvolvimento à região. Este comércio se estendeu ao Mediterrâneo ocidental, chegando às Ilhas Britânicas (chamadas então de Ilhas Scilly), de onde importaram o estanho, necessário para a fabricação do bronze. Este também podia ser obtido através de areias de Tartessos, ricas em estanho.
Eram governados por uma monarquia e desenvolveram leis escritas em tábuas de bronze. O historiador grego Heródoto descreve esses fatos como do período de 6.000 a.C.
Em torno do século VI a.C., Tartessos desaparece da História, provavelmente destruída por Cartago na batalha de Alalia, dada a aliança deste povo com os gregos. Há historiadores que relatam ter sido a cidade refundada, sem maiores esclarecimentos, com o nome de Carpia.
Toda a Baía de Cádis foi denominada de Tartessius Sinus pelos romanos, mas não existia mais o reino de Tartessos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário