quarta-feira, 2 de novembro de 2016

As Expulsões


Datas mais expressivas das expulsões dos judeus da Europa.

Depois de tantas tormentas, massacres, pogroms e antecipações do grande Holocausto ocorrido em pleno século XX, não restavam muitas opções para os judeus da Europa. Perseguidos, execrados em todos os lugares onde estavam, salvo raras e honrosas exceções, entre as quais figuravam os Países Baixos, assacados pela Igreja, pelos nobres e odiados pelo povo, tendo seu patrimônio confiscado e seus bens roubados, sem respeito como grupo e como cidadãos, sem direitos civis, vilipendiados de todas as formas, sem poder professar sua religião, os judeus viviam sua via crucis.

Em 1290, após sangrentos distúrbios em que milhares de judeus foram massacrados, sua expulsão da Inglaterra se deu de uma só vez. Na França, envolvida em guerras contra a Inglaterra, havia muita divisão interna entre feudos, apanágios e senhorias eclesiásticas, o que não permitia uma atitude uniforme contra os judeus. Mas a virulência antijudaica era tão forte quanto na Inglaterra e Alemanha. Na segunda metade do século XIII, a maior parte dos judeus era encontrada entre a região central do país até as margens do Reno, num total de mais de 150 comunidades. Outras grandes concentrações ocupavam a região mediterrânea, a Provença e o Languedoc. Os grandes centros de estudos talmúdicos, bem como da poesia litúrgica, eram encontrados no Centro e no Norte. O Sul abrigava grande número de brilhantes linguistas, filósofos e cientistas, bem como de tradutores que enriqueceram a cultura do Ocidente. Durante a Primeira Cruzada, a França iniciou o processo de assaltos aos judeus, com matanças e conversões forçadas, intercalados por períodos de apaziguamento, mormente quando o rei precisava dos judeus, com seu dinheiro e conhecimento. Em 1182, após denúncias de que os judeus matavam crianças cristãs, em rituais satânicos, Filipe Augusto os expulsou, para, alguns anos depois, chama-los de volta, quando precisou de dinheiro para financiar suas campanhas e obras no reino.


Massacre de judeus durante a Primeira Cruzada.


Durante a Segunda, a Terceira e a Quarta Cruzadas, novos massacres, novas expulsões, seguidas de novos acolhimentos quando o reino precisava de dinheiro. Em 1240, os judeus foram expulsos da Bretanha; em 1289, da Gasconha; em 1290, de Anjou. No início do século XIV, o reino da França já havia crescido muito, englobando a maior parte do território francês de hoje. Após a desapropriação dos lombardos e dos Cavaleiros Templários, em 1306, foi a vez dos judeus também serem desapropriados e expulsos. Seguidas vezes, no decorrer desse século, foram expulsos e novamente aceitos, sempre no interesse da coroa, quando precisava de dinheiro. Em 1491, a Provença foi incorporada ao Reino da França, seguindo-se a expulsão dos judeus de todas as cidades da região, onde haviam estabelecido, há séculos, comunidades cultas e gloriosas. Em 1498, foi decretada a ordem de expulsão geral, após o que quase não sobraram judeus na França.


Pogrom de Hamburgo.


Dada a multiplicidade e pulverização do poder político na Alemanha, não houve aí uma expulsão em massa, apenas em determinados pontos. As expulsões foram ocorrendo sucessivamente: em Colônia em 1424, em Augsburg em 1440, em Trent em 1475, em Magdeburg em 1493, em Mecklenburg em 1492. Entre 1450 e 1500 as expulsões ocorreram em dezenas de cidades da Baviera, Suábia, Francônia e Mainz. 

A conclusão de tão nefando gesto chegou, finalmente, à Península Ibérica. Apesar de pressionada pela Igreja, a coroa espanhola manteve os judeus em seu território durante todo o período da Reconquista, já que precisava de sua valiosa contribuição financeira, bem como de seus vastos conhecimentos gerais e de sua cultura e das relações que mantinham com os governantes mouros. Em fevereiro de 1492, ano da descoberta da América, cai o último baluarte mouro, em Granada. Os Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, já não precisavam mais dos préstimos e do dinheiro dos judeus. No intuito de criar uma nação unificada política, cultural e religiosamente, não foi preciso que a Igreja pressionasse muito suas majestades para que a expulsão logo ocorresse. A Inquisição havia chegado à Espanha uma década antes, trazendo em seu rastilho ódio, sangue, pavor e queima de inocentes. Em 31 de março de 1492, é publicado o famigerado Édito de Expulsão dos judeus da Espanha, obra de Fernando de Aragão e Isabel, a Católica, marcando definitivamente a história da infâmia, num ato de intolerância radical contra um povo que só o bem havia trazido para sua pátria ibérica.



Expulsão dos judeus da Espanha, pelos Reis Católicos.


Édito de Expulsão.


Os judeus tiveram de se espalhar pelo norte da África, Oriente Médio e Turquia, onde eram bem acolhidos. Uma boa parte se dirigiu à Holanda, recém-libertada do jugo espanhol, e que iniciava uma ascensão veloz para se colocar como uma das maiores potências econômicas e militares do Ocidente. Ali havia tolerância religiosa, respeito pelos diversos cultos, convivência com o contraditório, atitudes impensáveis no mundo católico. Mais de noventa mil judeus, atravessaram a fronteira e se estabeleceram em território português, onde, inicialmente, foram bem recebidos pelo rei Manuel I, pelas mesmas razões que outros reis os aclamavam. Mal sabiam esses pobres filhos de Abrahão que, quatro anos mais tarde, em 1496, também seriam expulsos de Portugal, por imposição dos Reis Católicos, a fim de que se consumasse o casamento de sua filha Isabel, viúva, com o rei português, então solteiro. Mais uma vez a infâmia se fez presente. Era o início de uma nova Diáspora, conhecida como Diáspora dentro da Diáspora, que, mais uma vez, pulverizou os judeus pelo mundo afora.


Judeus em sua marcha pelas estradas da Espanha, após a expulsão.


Pogrom de Lisboa, 19 de abril de 1506.


Quando foram expulsos da Espanha, o rei D. Manuel I tinha esperança de poder converter os judeus que chegassem a seu território. Contava também com seus préstimos e dinheiro. O que não contava mesmo é que a comunidade judaica em Portugal não pudesse admitir a abdicação de suas crenças religiosas milenares e o que ocorreu é que ela manteve seus hábitos e costumes. Foram feitas inúmeras tentativas de “catequizar” seus súditos judeus. Na sua impossibilidade (casos isolados de conversão de judeus são relatados), ocorreu uma última grande tentativa de cristianizar a grande massa de judeus que se amontoava no porto de Lisboa, próximo do término do prazo estipulado para a conversão, tentando embarcar nos navios para poder escapar da perseguição. Essa multidão foi  “batizada” em massa, em agosto de 1497. Como todos estivessem em pé e espremidos uns contra os outros, no cais do porto de Lisboa, esse episódio ficou conhecido como o do “batismo em pé”, de triste memória.

Mesmo os convertidos (cristãos-novos) eram vistos com grande desconfiança, sofriam preconceitos de toda ordem e, logo, também eles, seriam perseguidos sob a acusação de judaizantes, isto é, de exercer o judaísmo às escondidas, no interior de suas casas, mantendo as aparências externas de cristãos. Lisboa viveu dois episódios de violentos pogroms, em 1499 e 1506, além de distúrbios e massacres no bairro judaico de Lisboa (registrados por Gil Vicente), provocados por padres fanáticos, em 1532. 

Muitos desses judeus expulsos haviam contribuído de forma decisiva para o êxito das grandes navegações portuguesas e espanholas, com seus conhecimentos, suas invenções náuticas, geográficas e astronômicas, dando assim a chance das grandes descobertas territoriais no Novo Mundo.


As grandes navegações, que tiveram participação ativa de judeus.


Milhares desses judeus se refugiaram nas ilhas portuguesas e espanholas do Oceano Atlântico, como Canárias, Cabo Verde, Madeira, São Tomé e no Arquipélago dos Açores. Daí, outros milhares embarcaram em direção ao Novo Mundo na esperança de sobrevivência, de dias melhores e liberdade de culto nessas terras tão alvissareiras. Da Holanda, muitos aportaram nas Américas, quando da fundação da Companhia das Índias Ocidentais, particularmente acompanhando a frota do príncipe Maurício de Nassau, em 1638, ao Recife, Pernambuco. Mas, algum tempo depois, o braço sanguinário da Igreja aqui chegou, na forma da Inquisição, mais uma vez faminta do dinheiro judeu e invejosa de seu enorme conhecimento e cultura. Com a expulsão dos holandeses do território brasileiro, a perseguição aos judeus continuou por mais dois séculos e meio.

Na tentativa de fugir à violência religiosa, muitos judeus portugueses se embrenharam pelo território brasileiro, aventurando-se como desbravadores e colonizadores, o que fizeram com tanta eficiência como os portugueses cristãos-velhos. O mesmo ocorria nos territórios da Coroa espanhola.

Muitos judeus desceram para o sul, para a Capitania de São Vicente, aí se estabelecendo como comerciantes, proprietários de engenhos de açúcar, construtores, desbravadores, mineradores e faiscadores. Com o surgimento das primeiras bandeiras, lá estavam esses bravos hebreus a se embrenhar pelo território tupiniquim, onde alguns se destacaram como grandes desbravadores. Entre eles, encontram-se alguns pioneiros na descoberta do ouro nas Minas Gerais.

Pode se dizer que estes aventureiros hebreus tiveram uma participação robusta no alargamento do território brasileiro, logo tornando o traçado do Tratado de Tordesilhas uma letra morta. Assim, deram uma contribuição enorme para a criação das raízes do Brasil contemporâneo, incluindo sua cultura, conhecimento e costumes.

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