quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Uma certa família da Judéia


Árvore de Oliveira, no jardim de Getsêmani, nas cercanias de Jerusalém.
Esta árvore da figura teria nascido nos tempos de Jesus de Nazaré.
Símbolo emblemático da família Oliveira.

“No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e um vento impetuoso soprava sobre as águas... Então Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra’. E Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher. E Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra; dominem os peixes do mar, as aves do céu e todos os seres vivos que rastejam sobre a terra”. ... (Gn. 1 1-28).
Michelangelo Buonarrotti. Criador e Criatura. Teto da Capela Sistina, Vaticano.

Corria o décimo quarto século antes da Era Cristã (1440 a.C.), segundo a Bíblia Sagrada, e o décimo segundo século (1250 a.C.) segundo exegetas que interpretaram estudos arqueológicos comparativos com os relatos bíblicos. Os hebreus haviam fugido do Egito numa das maiores epopeias de todos os tempos, chamada Êxodo.
Os hebreus permaneceram por um tempo, também discutível, em terra egípcia (450 anos de acordo com a Bíblia e 250 anos de acordo com estudos arqueológicos). Foram, inicialmente, bem recebidos, desde quando José levou seus irmãos para o Egito e, posteriormente, seu pai Jacó (Israel), em decorrência da fome que grassava na terra de Canaã. Esta boa recepção, acredita-se, tenha sido decorrente do fato de que os Hicsos dominavam o Egito há algum tempo, sendo este também um povo semita, como os hebreus. Entretanto, com a derrota e posterior expulsão dos Hicsos do Egito, os faraós da XVIII dinastia, ou seja, Tutmés III, Amenotep II, Set I e, ainda, Ramsés II, passaram a oprimir terrivelmente os hebreus, tornando-os escravos dos egípcios.

Liderados por Moisés e seu irmão Aarão, escolhidos por Deus (Javé) para guiar seu povo de volta para Canaã, após autorização do faraó, calcula-se que aproximadamente 600 mil hebreus empreenderam esta aventura que mudou o rumo da História. Mas o faraó se arrependeu de tal autorização ao perceber que perderia a melhor mão de obra escrava que seu reino possuía. Mandou seu exército recapturar os hebreus, mas já era tarde. Os hebreus atravessaram o Mar Vermelho, em episódio que a moderna arqueologia explica ter ocorrido por que eles utilizaram um itinerário que passava por terras secas próximas a lagoas junto ao Mar Vermelho, próximas ao delta do rio Nilo.  Logo após sua travessia, Deus que, segundo a Bíblia, ordenara às águas que se separassem para que seu povo eleito pudesse atravessar o mar a salvo, e quando o último hebreu se encontrava já em território do outro lado do mar, em terra firme, o exército egípcio, que vinha em seus calcanhares, com milhares de soldados de infantaria e outros tantos em seus velozes carros de guerra, foi apanhado de surpresa com a ordem de Javé que mandou as águas retornarem ao seu antigo leito. Todos os egípcios morreram afogados.

Por quarenta anos os hebreus vagaram pelo deserto do Sinai, passando por episódios que selaram a sua aliança com Javé, entremeados por episódios de fome, sede, desespero, desejo de voltar ao Egito, considerado a terra onde corria o leite e o mel, em decorrência da fertilidade do rio Nilo, culto e sacrifício em holocausto a deuses pagãos, numa clara afronta aos princípios da sua antiga religião monoteísta e da crença em Javé. Muitas vezes, os infiéis que não ouviam nem confiavam em Moisés e Aarão foram punidos por Javé com a morte, geralmente um raio que caia do céu sobre o incrédulo ou rebelde.

Moisés foi escolhido por Javé como o seu portavoz, o líder que conduziria seu povo para a Terra Prometida, em Canaã. No alto do Monte Sinai, Moisés recebeu de Deus os princípios pelos quais seu povo deveria se guiar e que, gravados por Ele em duas pedras, as Tábuas da Lei, configuraram o que até hoje conhecemos como os 10 Mandamentos da Lei de Deus.

Após a aliança com Deus, este ordenou a Moisés e a Aarão que dividissem seu povo em doze tribos, correspondentes aos doze filhos de Jacó (Israel), o último dos patriarcas (os anteriores foram seu pai Isaac e seu avô Abrahão, que, segundo estudos arqueológicos, comparados à exegese bíblica, viveram entre 1950 a 1650 a. C).

Jacó, um dos patriarcas bíblicos, genearca de todas as linhagens do povo hebreu, teve treze filhos, mas, em decorrência da sociedade patriarcal hebraica, contam apenas os doze homens. De sua primeira esposa Lia teve os seguintes, com as respectivas significações de cada nome:

1.   Rúben (que significa eis um filho),

2.   Simeão (escuta),

3.   Levi (apego),

4.   Judá (louvor),

5.   Issacar (alugado, ou recompensa),

6.   Zebulon (habitação).

Lia também lhe deu uma filha que foi chamada Diná (justificada).

Com sua serva Zilpa, Jacó teve:

7.   Gade (boa sorte),

8.   Aser (feliz).

Com sua segunda esposa Raquel, Jacó teve os filhos:

9.   José (Ele tirou, ou possa Ele acrescentar);

como José morreu no Egito (seus despojos foram levados para Canaã, pelo seu povo e sepultados em uma tumba no deserto), suas terras foram distribuídas aos seus filhos Manassés e Efraim. Jacó considerava seus netos como verdadeiros filhos, assim, é que, na verdade, houve 13 tribos e não doze (as de Manassés e Efraim, pela tradição, são consideradas uma só, ou duas meio-tribos).

10.          Mais tarde Raquel teve outro filho, Benjamim (filho da minha mão direita): ela morreu no parto.

Com sua serva Bila, Jacó teve:

11.          (justiça),

12.          Naftali (luta).

Ao adentraram a terra de Canaã, por ordem de Deus, estas doze tribos já estavam bem constituídas e deram origem ao povo hebreu, como o conhecemos hoje.  

Por sorteio, conduzido pelos irmãos Moisés e Aarão, a cada uma das doze tribos coube um território, maior ou menor, de acordo com a riqueza e uberdade do solo e o tamanho da população de cada tribo. Para tal, Javé havia determinado a Moisés um recenseamento das populações de todas as tribos, detalhadamente descrito na Bíblia, em Números 1 1-34.
As doze tribos de Israel.
Fonte: Rogerson, John. Atlas of the Bible. Vol. I.
Madrid. Ed. del Prado, 1996. pg. 29.



Apesar dessa irmandade, estudos históricos, arqueológicos e antropológicos, revelam que havia diferenças culturais e de costumes entre essas tribos. Tanto que, após a morte do rei Salomão, houve o cisma entre o reino do norte, Reino de Israel, e o reino do sul, Reino de Judá. De comum entre eles havia sua origem semita, a língua, a religião e muitos traços culturais e de costumes. Desde os tempos do exílio no Egito, onde viviam nas férteis terras do Delta do Nilo, os filhos de Jacó haviam se multiplicado enormemente, mantendo cada uma sua individualidade cultural, a ponto de se identificarem entre si como tribos separadas. Jacó também morreu em idade bastante avançada no Egito e seus restos mortais, assim como os de seu filho José, foram exumados e transportados para serem sepultados em Canaã. Antes de morrer, ele abençoou a todos os seus filhos e prenunciou o destino que os aguardava no futuro.

Os territórios de cada um dos membros das tribos hebraicas estão representados na figura abaixo. Apenas Levi não recebeu um território físico. Seus descendentes, os levitas, foram designados como sacerdotes, responsáveis pelos cuidados, manutenção e transporte do Tabernáculo, um templo religioso construído numa tenda portátil que podia ser levado para onde as tribos dos filhos de Jacó fossem e pela Arca da Aliança. Foram também, determinadas por Javé, o formato, as cores e a composição de seus materiais, ainda no deserto do Sinai.


As doze tribos de Israel.



Levi também teve diversos filhos, mas os que têm maior representatividade na Bíblia são: Gershon (Gerson, que deu origem à linhagem dos gersonitas), Kohat (Coat ou Caat, que deu origem à linhagem dos coatitas), Merari (que deu origem à linhagem dos meraritas). Cabia aos gersonitas o transporte das tendas, cortinas, telas, cordas e carros de boi do tabernáculo (Num 4 24-26; 7 7-8). Cabia aos coatitas o transporte da Arca da Aliança e dos móveis sagrados (Num 4 4-12; 7 7-9). Cabia aos meraritas o transporte dos polos, placas, soquetes, pilares e barras do tabernáculo, individualmente, carregadas nas mãos (Num 3 36-37; 4 29-36).


Levi e seus descendentes até Samuel, os levitas.



Coat também teve diversos filhos, entre eles Amram, Hebron, Uzziel e Izhar (Isar). Amram teve três filhos: Moisés, Aarão e Miriam, portanto, estes dois fundamentais personagens bíblicos eram levitas. Isar teve, entre outros filhos, Korah (ou Corá, ou Coré). Assim, Corá era primo em primeiro grau de Moisés e Aarão.

As demais tribos mantiveram-se com os mesmos direitos e obrigações, determinados nos ensinamentos da Torá, composta dos cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco. Entretanto, dada a numerosa descendência de certas tribos, estas puderam gozar de certa superioridade política.

Do ponto de vista antropológico, arqueológico e historiográfico, os estudiosos têm alguma divergência com o que nos diz a Torá hebraica ou a Bíblia cristã. Algumas teorias sugerem que somente certas tribos saíram do Egito e se estabeleceram em Canaã, quando se encontraram com outras tribos hebraicas autóctones. Havia entre elas tal semelhança linguistica, cultural e racial que passaram a conviver pacificamente entre si. Isso muito facilitou a conquista de Canaã pelos hebreus, com suas dezenas de cidades-estado e pequenos reinos independentes, gerando uma grande cooperação entre as tribos. Por outro lado, se depararam com vizinhos Cananeus, Filisteus, Moabitas, Edomitas e outros povos que nada tinham a ver com as raízes étnicas dos hebreus. Diferentemente do relato bíblico, as tribos do Êxodo que mais se destacaram, foram as de Judá, Levi, Simeão, Benjamim e as meio-tribos de Efraim e Manassés. Também não foram encontradas evidências arqueológicas da passagem de uma massa humana de mais de 600 mil pessoas durante quarenta anos no deserto do Sinai. Assim, ficamos com a tradição oral hebraica que, após o exílio na Babilônia no VI século a.C., foi transformado em texto, escrito por diversos autores diferentes, no qual vamos nos basear em nosso presente relato.



As conquistas de Josué.
Fonte: Rogerson, John. Atlas of the Bible. Vol. I.
Madrid. Ed. del Prado, 1996. pg. 28.



Moisés liderou as doze tribos dos hebreus pelo deserto da Península do Sinai e, após sua morte, Josué continuou a liderá-los na conquista de Canaã. A tomada de Jericó tornou-se o paradigma da conquista hebraica de Canaã. Para que a conquista de todo o vasto território fosse feita de forma ordenada e mantendo uma unidade racial e religiosa, as terras foram divididas entre as doze tribos. Cada tribo auxiliava as outras nesta conquista. Interessa-nos, nesta nossa abordagem, que a tribo de Efraim foi designada para ocupar posições na região central, que incluía as cidades, então importantes, de Silo (ou Siló), Gilgal, Betel e Ramá, vinculadas à história dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó.


Primeiro Livro de Samuel.

Foi de uma dessas pequenas cidades do território de Efraim que surgiu um dos mais importantes profetas bíblicos: Samuel. Vejamos o que nos diz o livro sagrado hebreu, a Torá, e o cristão, a Bíblia, no Primeiro Livro de Samuel (1 1-28):

Javé atende o pedido do povo -  1Havia um homem de Ramataim, um sufita da região montanhosa de Efraim, que se chamava Elcana, filho de Jeroam, filho de Eliú, filho de Toú, filho de Suf. Era um efraimita. 2Elcana tinha duas mulheres: uma se chamava Ana e a outra Fenena. Fenena tinha filhos; Ana, porém, não tinha nenhum. 3Todos os anos, Elcana subia de sua cidade para Silo, a fim de adorar e oferecer sacrifícios a Javé dos exércitos. Em Silo, estavam Hofni e Finéias, os dois filhos de Eli, que eram sacerdotes de Javé.

4No dia em que oferecia sacrifícios, Elcana repartia porções para sua mulher Fenena e para todos os filhos e filhas dela. 5Embora tivesse maior amor por Ana, Elcana lhe dava apenas uma porção, porque Javé a tornara estéril. 6Com humilhações, Fenena irritava Ana, a quem Javé tinha deixado estéril. 7Isso acontecia todos os anos; e sempre que eles subiam ao santuário de Javé, Fenena ofendia Ana. E Ana começava a chorar e ficava sem comer. 8Elcana, seu marido, lhe perguntava: “Ana, por que você fica chorando e não come nada? Por que você está triste? Por acaso, eu não sou melhor para você do que dez filhos?”

9Depois de terem comido e bebido em silo, Ana se levantou e se apresentou diante de Javé. O sacerdote Eli estava sentado em sua cadeira junto à porta do santuário de Javé. 10Cheia de amargura, Ana rezou a Javé, chorou muito, 11e fez uma promessa, dizendo: “Javé dos exércitos, se quiseres dar atenção à miséria da tua serva e te lembrares de mim, e não te esqueceres da tua serva, e lhe deres um filho homem, então eu o consagrarei a Javé por todos os dias de sua vida, e a navalha não passará sobre a cabeça dele”.

12 Como Ana continuasse rezando a Javé, Eli observava os lábios dela. 13Ana apenas murmurava: seus lábios se moviam, mas não dava para ouvir o que ela dizia. Por isso, Eli pensou que ela estivesse embriagada. 14Então Eli perguntou: “Até quando você vai ficar embriagada? Acabe primeiro com essa bebedeira!” 15Ana, porém, respondeu: “Não, meu senhor. Eu sou uma mulher que sofre; não bebi vinho, nem bebida forte. Eu estava apenas me desafogando diante de Javé. 16Não pense que esta sua serva seja vadia. Falei até agora, porque estou muito triste e aflita”. 17Então lhe disse Eli: “Vá em paz. Que o Deus de Israel conceda o que você lhe pediu”. 18Ana respondeu: “Que esta sua serva possa encontrar sempre o seu favor”. Ana foi embora, comeu, e já não parecia a mesma de antes.

19Levantaram-se de madrugada, adoraram a Javé e voltaram para casa. Chegando em Ramá, Elcana se uniu à sua mulher Ana, e Javé se lembrou dela. 20Ana ficou grávida e, no tempo certo, deu à luz um filho, e lhe deu o nome de Samuel, dizendo: “Eu o pedi a Javé”. 21Um ano depois, seu marido Elcana subiu com toda a família para oferecer a Javé o sacrifício anual e cumprir a promessa. 22Ana, porém, não foi junto. Ela disse ao marido: “Quando o menino for desmamado, então eu o levarei para apresentá-lo a Javé, e ele vai ficar lá para sempre”. 23Seu marido Elcana respondeu: “Faça o que achar melhor e espere até que ele seja desmamado. E Javé permita que você possa cumprir a promessa”. Desse modo, Ana ficou em casa e criou o menino até o desmamar.

24Logo que o desmamou, o levou até o santuário de Javé em Silo, com um bezerro de três anos, quarenta e cinco quilos de farinha e quarenta e cinco litros de vinho. O menino era ainda muito pequeno. 25Eles imolaram o bezerro e levaram o menino a Eli. 26Ana disse: “Desculpe, senhor. Eu sou aquela mulher que esteve aqui junto ao senhor, rezando a Javé. 27O que eu pedia era este menino, e Javé atendeu o meu pedido. 28Agora, eu o entrego a Javé por toda a vida, para que pertença a ele.” E se prostraram diante de Javé.


Esta cidade a que nos referimos, e descrita na Torá e na Bíblia, como Ramataim, ou Ramá, terra natal do pai de Samuel, Elcana, tem um histórico até hoje não exatamente bem esclarecido, ficando muito próxima a Jerusalém.

 


Mapa bíblico de Israel.


Segundo o Atlas Bíblico (ver a referência do site ao final deste post), esta cidade teria o nome nos tempos bíblicos de Ramathaim-zophin (Ramataim-Sofim), que significaria, em hebraico, “Ramataim dos Sofitas”. Esta é a mesma opinião de John Rogerson em sua bela obra em dois volumes, Atlas of the Bible, traduzido em português como Bíblia – Os Caminhos de Deus, Vol. II. Madrid. Edições del Prado, 1996, pg. 168. Este local também é referido como Ramah (Ramá). Zophin (Sofim) é, talvez, uma corruptela do nome Zuph (Suf), o distrito onde nasceu Samuel (Samuel 1 9 5). Essas informações podem ser obtidas no Holman Bible Dictionary, (ver as referências ao acessar o site ao final deste post). 



Localização de Ramataim-Zofim, no território de Efraim.


Tanto Ramá quanto Suf seriam uma única e mesma localidade. Seu nome derivaria do fato de que estava assentada sobre duas colinas. Situava-se próxima a Silo, Betel, Guilgal e Mispá, todas importantes localidades do território de Benjamim, no período bíblico que compreende o final da era dos Juízes e de todo o período de Reis. Samuel, que residia em Ramá, participava, todos os anos, com sua função de Juiz, em todas essas cidades aqui referidas. Foi pelo poder de sua intervenção espiritual que Javé permitiu aos Israelitas vencer os Filisteus. Ver também no excelente site israelense, Bible History, cuja referência encontra-se ao final deste post.

Foi também em Ramá que os anciãos do povo Israelita fizeram uma petição a Samuel para que lhes desse um rei, a fim de que, unidos e fortalecidos por uma única liderança, pudessem sair vitoriosos nas inúmeras batalhas contra o Gentio. Assim, é que o primeiro rei dos hebreus, Saul, foi aclamado pelo povo e ungido por Samuel, após um sorteio (Samuel 1 10-17).


Ramataim-Zofim (Ramá), depois Arimatéia, e atual Ramalah, na 
Cisjordânia. Alguns a situam em Rantis, também na Cisjordânia.


     

Outras cidades que poderiam ser a Ramataim bíblica seriam:

a- Beit Rima, uma cidade que ocupa uma colina a 20,9 quilômetros nordeste de Lydda (Diospolis), 19,3 quilômetros a oeste de Silo, e a mesma distância nordeste de Betel. Esta hipótese é baseada em G. A. Smith, Historical Geography of the Holy Land, pg. 254, e Buhl, Geographic des Alten Palestina, pg. 170 (ver o site do Atlas Bíblico relacionado acima);

b- Ramallah (Ramala), uma grande e próspera cidade, na atual Cisjordânia, que ocupa uma posição elevada, e representa um importante sítio arqueológico. Fica a 12,8 quilômetros ao norte de Jerusalém, 4,8 quilômetros a oeste de Betel, e 19,3 quilômetros a sudoeste de Silo. O nome significa “a colina” ou “lugar alto de Deus”, e pode ser o lugar elevado da cidade onde Saul encontrou Samuel. Várias citações bíblicas apontam nesta direção (Atlas Bíblico, op. cit);

c- Algumas opiniões apontam para Ramleh, uma localidade a 3,2 quilômetros sudoeste de Lydda, na planície de Sharon. Entretanto, esta hipótese foi eliminada, já que este povoado não existia antes do período da colonização árabe (Atlas Bíblico, op. cit).


        Segundo Petrus Comestor (circa 1100-1179 a.D.), em sua Historia Scholastica, Cap. CLXXX: De sepultura Domini, a cidade de Ramataim foi identificada como a Arimatéia do Novo Testamento (ver as referências nos sites que se encontram ao final deste post). 




Ramataim-Zofim (Ramá), depois Arimatéia e atual Ramalah (Rantis?).



Mas, os leitores devem estar se perguntando por que tanto detalhamento na descrição de uma localidade bíblica. Que importância teria esse conhecimento para a tarefa a qual nos propusemos? A resposta é simples: pelo fato de que foi na Ramataim bíblica que surgiu a família Oliveira, espalhada hoje pelos quatro cantos do planeta.



V. Osipov. Levi.

 

        Não existem evidências científicas cabais de tal afirmação. Essa é uma antiga tradição hebraica para a origem do sobrenome Oliveira. Tradição essa que era transmitida oralmente em função das incontáveis perseguições a que o povo judeu foi submetido no decorrer da História. Era muito perigoso, na Baixa Idade Média (1200-1500 a.D.), no Renascimento e até o século XVIII, a descrição, por escrito, e com documentação legal, dessa genealogia pelos óbvios riscos a que os membros dessas famílias estavam expostos. Foram inúmeros os casos de sofrimentos, perseguições, pogroms e holocaustos a que os Oliveira foram submetidos no decorrer dos séculos na Europa. Assim, era mais seguro manter a tradição oral do que apresentar documentos que evidenciassem a origem hebraica dessas famílias.

      De acordo com essa tradição oral hebraica, os Oliveira pertencem à tribo de Levi, são, portanto, levitas. Como tal, e sabendo que a genealogia de Levi, filho de Jacó (Israel), neto de Isaac e bisneto de Abraão, é conhecida, podemos seguramente, baseados na tradição bíblica, retroceder a genealogia dos Oliveira até Adão e Eva. Isto mesmo, o Adão e a Eva do Paraíso, o Adão e a Eva do Gênesis, o primeiro homem e a primeira mulher a existir na face da terra. Evidentemente, sabemos que a Bíblia, ou a Torá, não são livros de História, de Arquelogia, ou de Antropologia. Não são livros de ciência. Sabemos que o livro sagrado utiliza uma linguagem metafórica. As pessoas ali referidas são símbolos de uma época, ou de gerações, de princípios, de crenças, de uma religiosidade que foi transmitida de geração para geração. Nada pode ser levado ao pé da letra, do contrário estaríamos a incorrer em gravíssimos erros históricos. Mas, é reconfortante saber que há uma tradição oral, que entre os séculos VIII a VI a. C., foi transcrita para o pergaminho e o papiro, e que nos chegou até os dias atuais sob a forma do Antigo Testamento e do Novo Testamento, este de origem cristã. É uma forma de resgatarmos nosso passado, passa-lo a limpo, conhecer nossas origens e compreender como e por que somos o que somos hoje em dia.

      A genealogia bíblica dos levitas encontra-se no quadro abaixo, tendo os nomes dos personagens à esquerda, e o seu presumível tempo histórico relacionado à direita.



Genealogia dos levitas até Adão, segundo a tradição bíblica.

Genealogia de Levi até o primeiro século da era cristã.
Fonte: Steve Rudd (www.bible.com/maps).


      Os levitas, consequentemente o clã dos Oliveira, que, evidentemente, não tinham este nome naquela época, passaram por todos os períodos de glória e exultação que o povo Hebreu passou na Antiguidade. Mas também sofreu com as guerras, as lutas internas e fratricidas, o exílio na Assíria e, depois, na Babilônia, a volta para a terra de Canaã, por novas lutas internas, a dominação persa, grega e, por fim, romana. Foram séculos de alegrias e tristezas, de júbilo e muita dor, que terminou, por fim, com o exílio definitivo de sua santa terra amada, a Diáspora.

 

As cidades levitas, distribuidas entre diferentes tribos do povo de Israel.

O Período dos Reis

       Como vimos, antes do reinado de Saul, filho de Quis, não se podia definir uma nação israelita. As diversas tribos estavam unidas por laços étnicos e culturais, ora se aliando, ora batalhando entre si, em lutas fratricidas. A aliança entre elas era realizada em torno do Tabernáculo e da Arca da Aliança. Mas eram alianças precárias, tendo em vista as inúmeras ameaças dos inimigos externos. Fazia-se necessário a presença de um rei para unir todas as tribos em um só povo e guia-los, como ademais ocorria em todas as nações da Antiguidade. Os anciãos das diversas tribos se uniram e pediram a Samuel, já ancião, o último dos juízes, para que escolhesse seu rei. Este se opôs, inicialmente, dizendo que o único rei de Israel era Deus. Por fim, recebe um sinal divino que indica Saul, da tribo de Benjamim para governar seu povo, apesar da oposição de muitos.

 

Antes do início dos reis do povo hebreu houve um período de anarquia entre as
cidades. O povo solicitou a Samuel, que recebeu autorização de Javé para escolher
o rei do povo eleito. Fonte: Rogerson, John. Atlas of the Bible. Vol. I.
Madrid. Ed. del Prado, 1996. pg. 30.

      Saul foi sagrado rei por volta do ano 1013 a.C. e reinou até o ano 1011 a.C. (existem diversas versões de estudiosos, historiadores e exegetas dos livros sagrados, que apontam datas diferentes). Segundo algumas fontes, teria 58 anos quando começou a governar. Inicialmente teve a simpatia de todas as tribos, mas, em decorrência de sua imaturidade, tirania, insucesso em algumas batalhas contra os Filisteus (venceu outras guerras contra outros povos, com glória) e, principalmente, por não obedecer a certos ritos religiosos, como ter matado um cordeiro para oferece-lo em holocausto a Javé (o que era permitido apenas aos sacerdotes), acabou por desencadear a revolta de grande parte de seu povo e de Samuel, bem idoso à época. Este, por ordem de Javé, proclama Davi, da tribo de Judá, um jovem pastor, o novo rei dos hebreus. Enciumado, Saul tenta matar Davi por diversas vezes, até que este se refugia entre os Filisteus. Desencadeia-se a guerra civil entre os hebreus. Tendo a oportunidade para matar Saul, Davi se recusa a tal e ganhou imensa popularidade entre todas as tribos. Saul acabou por suicidar-se após ter perdido importante batalha para os Filisteus e, imediatamente, Davi foi ungido por Samuel rei de Israel.

 


Império de Davi e distritos administrativos de Salomão.
Fonte: Rogerson, John. Atlas of the Bible. Vol. I.
Madrid. Ed. del Prado, 1996. pg. 32.

       Segundo o célebre arqueólogo americano Edwin Thiele, Davi teria nascido em 1040 a.C. e sua morte ocorreu em 970 a.C. Reinou sobre Judá de 1010 a 1003 a.C. e sobre o reino unificado de Israel de 1003 a 970 a.C. (Ver: Thiele, Edwin. The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, 1ª ed.; Nova York: Macmillan, 1951; 2ª ed.; Grand Rapids: Eerdmans, 1965; 3ª ed.; Grand Rapids: Zondervan/Kregel, 1983). Como ocorreu com a cronologia de Saul, existem também divergências quanto ao verdadeiro tempo histórico da vida e reinado de Davi. Não se pode falar em povo Hebreu ou Judeu antes de Davi. Foi ele o unificador de toda a nação, de todas as tribos e seu reinado foi um período de glória para o povo de Javé.

      O filho de Davi, Salomão, o sucedeu no trono, escolhido sucessor pelo próprio rei. Reinou entre 971 a 932 a.C., portanto, por quarenta anos. Como seus dois antecessores no reinado, estas datas são divergentes conforme diversos historiadores e exegetas. O reinado de Salomão, diferentemente do de seu pai, Davi, caracterizou-se por um período de paz entre os hebreus e seus vizinhos. Com isso pode dedicar-se à construção do Primeiro Templo, obra que seu pai havia planejado, mas que as guerras haviam impedido. A obra durou aproximadamente seis anos e foi iniciada assim que Salomão ascendeu ao trono. O início de seu reinado foi caracterizado pela sua sabedoria e prudência que se tornaram lendárias até os tempos atuais. Entretanto, dada sua popularidade, mesmo entre povos estranhos a Israel, sua política de diplomacia o levou a dezenas de casamentos (alguns autores falam em centenas, se não milhares) com mulheres estrangeiras. Isso fez com que sua fé em Javé fosse arrefecendo, levando-o a simpatizar com crenças estranhas ao povo hebreu.

      O grau de descontentamento do povo com tal atitude de seu rei foi de tamanha ordem que, mesmo antes de sua morte, houve uma cisão: as tribos do norte, em número de dez, se separaram das remanescentes e fundaram o Reino de Israel, cuja capital tornou-se a cidade de Samaria, englobando os territórios da Galiléia do Norte e do Sul, Samaria e parte dos territórios dos atuais Líbano e Síria, e, ao sul, o Reino de Judá, englobando os territórios das tribos de Judá e Benjamim, cuja capital se manteve em Jerusalém.



O grande cisma dos povos hebreus.


Roboão, filho de Salomão, tornou-se o rei de Judá e Jeroboão o rei de Israel. Do ponto de vista historiográfico, as tribos de Judá e Benjamim mantiveram-se quase completamente fundidas entre si. As referências a Benjamim desapareceram, apesar de suas principais cidades estarem em pleno território do Reino de Judá. Quanto às tribos do norte, alguns traços de individualidade ocorreram apenas na meia-tribo de Manassés. As demais também se fundiram entre si, não deixando traços de suas peculiaridades.



Acontecimentos após o cisma entre os hebreus.
Fonte: Rogerson, John. Atlas of the Bible. Vol. I.
Madrid. Ed. del Prado, 1996. pg. 33.


O cisma, o exílio e o domínio de povos estrangeiros

O Reino de Israel, ao norte, foi invadido, no século VIII a.C., pelos assírios. Com a queda de Samaria houve o total desaparecimento do estado Israelita. Sua população foi deportada para a Assíria e distribuídos em locais diferentes de seu território. As dez tribos que o compunham desapareceram dos relatos bíblicos. Especula-se que os hebreus que sobreviveram à invasão e deportação se uniram a estrangeiros e abandonaram suas tradições.

No século VI a. C. foi a vez da queda de Jerusalém, mais exatamente, em 586 a.C., em decorrência da invasão do Reino de Judá pelo Reino da Babilônia. Nesta invasão houve a destruição do Primeiro Templo de Salomão, que marcou o início da Diáspora Judaica. Entretanto, apenas uma parte do povo de Judá foi deportado para a Babilônia, ficando a maior parte em seu país de origem, mantendo a união religiosa e étnica. Conjectura-se que esta união tenha sido decorrente das profecias do profeta Jeremias, que previu durar o exílio cerca de setenta anos. Enquanto esteve no exílio babilônico, os hebreus desenvolveram um sistema e um modo de vida religioso fora de sua terra, para assegurar a sobrevivência de seu povo como nação e sua identidade espiritual. Foi um ensaio de sobrevivência para novos exílios até que ocorreu a grande Diáspora do ano 70 d.C.

Com a invasão do Reino da Babilônia pelo Rei Ciro, da Pérsia, em 539 a.C., o povo hebreu seria libertado e mandado de volta para o Reino de Judá. A fé de seu povo o manteve coeso, intacto e fortalecido. Foi durante o exílio na Babilônia (586-538 a.C.) que o termo judeu surgiu pela primeira vez, referindo-se a todos os membros da tribo de Judá. Aproximadamente 50 mil judeus retornaram à Terra de Israel, liderados por Zerobabel, da dinastia de Davi. Cem anos depois, outro grupo de judeus, liderado por Esdras, o Escriba, também retornou. A religião do povo hebreu passou a ser chamada de judaísmo, com as características que conhecemos hoje, diferentes das práticas religiosas do Reino de Israel.



Rei Ciro, o Grande, da Pérsia.


Nos quatro séculos seguintes, o povo hebreu viveu com certa autonomia, seja sob o domínio persa (538-333 a.C.), o domínio helenístico, após as conquistas de Alexandre, o Grande (332 a.C.), o domínio ptolemaico e selêucida (332-142 a.C.). A Terra de Israel continuou a ser governada pela teocracia judaica, inicialmente sob o domínio dos selêucidas, baseados na Síria.

Durante o período helenístico, os judeus foram proibidos de praticar o judaísmo e seu Templo foi profanado, numa tentativa dos gregos de impor sua cultura e seus costumes a todos os povos conquistados. Em 166 a.C. ocorreu uma revolta, liderada por Matatias, da dinastia sacerdotal dos Hasmoneus e, posteriormente, pelo seu filho Judá, o Macabeu. Em 164 a.C., os judeus entraram em Jerusalém e purificaram o Templo, fato que é comemorado até hoje no calendário judaico como a festa do Chanuká. 

Durante todo o período entre o exílio babilônico e a Diáspora, os judeus mantiveram um forte sentido de união e resistência à dominação estrangeira. Tal força que uniu seu povo levou os judeus, mesmo após a invasão romana, a ser massacrados, à destruição do Segundo Templo de Salomão, e à expulsão dos remanescentes que permaneceram vivos. Essas catástrofes os levaram a manter a união entre si e a firmeza em sua crença pelos quatro cantos do mundo. Eles se espalharam pela Ásia, Europa e norte da África, criando uma verdadeira rede que manteve vivas suas tradições. Foi nesse período também que o termo “judeu”, significando um seguidor da religião judaica, superou o significado tribal pelo qual era conhecido. A partir daí, muitos estrangeiros, de origem não semítica, se declararam judeus. Através do povo hebreu e do judaísmo, a tradição da tribo de Judá se mantém até os tempos atuais.

No transcorrer do século I a.C. observou-se, cada vez mais, a intervenção romana, com o argumento de estabilizar politicamente toda a região. Pompeu, o grande general romano, em 63 a.C. conquistou a Judéia e anexou seu território ao domínio de Roma. Entre 63 a.C. a 6 d.C., a Judéia tornou-se um principado vassalo de Roma.

Herodes, o Grande, genro de Hircano II, foi nomeado rei da Judéia, em 40 a.C., por Otaviano e Marco Antônio. Foi concedido ao território judeu uma grande autonomia em seus assuntos internos. Neste período, houve a invasão dos Partos, que Herodes rechaçou e expulsou com a ajuda das legiões romanas. Em 37 a.C. Herodes tornou-se rei, de fato, após a conquista de Jerusalém. Ele foi um grande admirador da cultura greco-romana e estabeleceu um grande programa de construções, como as cidades de Cesaréia e Sebástia, as fortalezas de Heródio e Massada. Reformou o Templo, tornando-o uma das mais belas construções da Antiguidade. Com sua morte, o território foi dividido em três principados, entre seus filhos, Arquelau, Herodes Antipas e Filipe.

Em 6 d.C., a Judéia tornou-se uma província romana, sob a jurisdição parcial do governador da Síria. A administração da região passou a ser realizada por governadores romanos, chamados de prefeitos. Posteriormente, seriam chamados de procuradores. Arquelau foi chamado a Roma e partiu para o exílio.

À medida em que o poder de Roma oprimia os judeus, aumentou a insatisfação popular, o que levava periodicamente a revoltas. Em 66 d.C., ocorreu uma grande rebelião, que envolveu a maior parte da população. A revolta foi sufocada pelo general Vespasiano, que logo tornar-se-ia imperador de Roma, na sucessão traumática e sanguinária após a morte de Nero. Em 70 d.C., após novas rebeliões do povo judeu, o general Tito, filho de Vespasiano, que logo sucederia a seu pai como imperador de Roma, conquistou toda a Judéia com suas legiões, invadiu e arrasou a cidade de Jerusalém. Seu templo foi queimado e destruido, tendo grande parte de suas pedras atiradas, pelos soldados romanos, do alto das muralhas, criando uma cena dantesca que podemos ver até hoje. A política romana era de não deixar pedra sobre pedra a fim de não mais permitir o culto do judaísmo.

Os sobreviventes foram expulsos da Judéia, obrigados a se exilar na Europa, Ásia, norte da África. A Península Ibérica recebeu uma quantidade considerável de judeus, principalmente em decorrência de que a topografia e o clima serem muito semelhantes aos da Judéia. Este grande desastre humano recebeu o nome de Grande Diáspora, legado que o povo judeu carrega até os dias atuais.


A saga da família Oliveira


Durante o período da ocupação romana da Judéia, mesmo antes da destruição do Segundo Templo de Salomão, incontáveis famílias de judeus partiram para o exílio temendo o pior. E o pior realmente aconteceu no ano 70 d.C. Não existem provas arqueológicas do local de partida destas famílias rumo ao exílio. Pela antiga tradição hebraica, sabe-se que, desde o primeiro exílio na Assíria, grupos inteiros de clãs hebreus, provenientes de diversas tribos, partiram para a Europa Central, para o oriente, norte da África e, milhares deles, para a Península Ibérica. Esta era chamada de Sefarad, que, em hebraico, significa Terra Prometida. Isso em função das semelhanças geográficas, climáticas e da qualidade do solo com a terra de Canaã. Os Hebreus mantinham boas relações comerciais e diplomáticas com os Fenícios, os maiores navegadores e comerciantes da Antiguidade, se é que assim se pode chamar esta convivência cultural e social entre estes povos no Oriente Próximo. Os portos de Tiro e Sidon eram os principais pontos de partida dos barcos Fenícios que singravam o Mar Mediterrâneo em todas as direções. Foram os Fenícios que fundaram a colônia no norte da África, posteriormente chamada Cartago. Lá estabeleceram um grande entreposto comercial de onde puderam ampliar suas rotas de navegação e comércio com o sul da Europa e a Península Ibérica. Chegaram aos confins do mundo conhecido de então: o Oceano Atlântico. Inúmeras lendas sobre estas paragens desconhecidas são provenientes do período das grandes navegações Fenícias. Novas ondas de emigração ocorreram após o retorno do exílio na Babilônia, e também quando do domínio sírio, persa, grego e romano da Judéia.


Jope, atual Jaffa, parte da atual Tel-Aviv.
Deste porto provavelmente partiram muitas famílias judaicas 
para o exílio, entre elas os futuros Benveniste e futuros Oliveira.


Existem evidências arqueológicas de que os Fenícios fundaram cidades como Gades (atual Cádiz), na Espanha. Daí que os hebreus, oito séculos antes de Jesus Cristo, já migravam para estes territórios. Aí, construíam suas sinagogas e seus objetos de culto religioso. Existem diversas tumbas com inscrições em hebraico antigo em diversas regiões da Península Ibérica. Existem inúmeras provas arqueológicas dessa afirmação em museus espanhóis. Como vimos, essas migrações foram mais intensas após o retorno do exílio na Assíria. É bem conhecida na Bíblia a história de Jonas, o profeta hebreu da tribo de Zebulão, filho de Amitai, natural da cidade de Gete-Héfer, do Reino de Israel, ao norte. Ele havia profetizado que, durante o reinado de Jeroboão II (Reis II 14 25; Jonas 1 1), caso os assírios persistissem em sua terrível crueldade e no grande derramamento de sangue do povo hebreu eles sofreriam a ira Divina, se não se arrependessem em quarenta dias. Jonas foi designado para ir a Nínive, capital da Assíria, para transmitir aos líderes dos opressores de seu povo esta mensagem. Os assírios eram conhecidos pela prática de decapitar os povos vencidos, fazendo pirâmides com seus crânios. Também crucificavam ou empalavam os prisioneiros, arrancavam seus olhos e os esfolavam vivos.



Porto de Jope, atual Jaffa, Israel.

Com receio de que lhe ocorresse o mesmo, Jonas se acovardou e fugiu, em barco Fenício, rumo a Társis, no sudoeste da Península Ibérica, atual região da Andaluzia. A distância de Társis ao antigo porto hebreu de Jope (atual Tel Aviv) é de 3.500 quilômetros. Era uma viagem cheia de riscos e surpresas, que, na época, durava várias semanas. Durante a viagem de Jonas, segundo a Bíblia, ocorreu uma violenta tempestade. Os marinheiros, ao tomar conhecimento de quem era Jonas e o motivo dele estar ali, supersticiosos e com medo da vingança divina sobre eles, por estar compactuando com o fugitivo, atiraram Jonas ao mar. Imediatamente, a tempestade foi amainada, enquanto Jonas era engolido por um grande peixe. No relato bíblico, ele ficou no estômago do peixe por três dias e três noites, quando se arrependeu de sua atitude. Ao se arrepender, foi expelido (vomitado) pelo peixe numa praia. Daí seguiu rumo a Nínive para cumprir sua missão designada por Javé. No Livro de Jonas, os habitantes de Nínive e das cidades em seu entorno, supersticiosos que eram, e com medo das divindades, mostraram-se também arrependidos de seu comportamento sanguinário e violento. Fizeram jejum, se vestiram com sacos rústicos como penitência e pararam com suas atrocidades. Mas, Nínive não foi destruída e Jonas ficou desgostoso com tal situação. Foi repreendido por Javé por isso. Aproximadamente, cem anos depois, Esdras liderou outro grande grupo de hebreus em sua volta ao Reino de Israel.


As origens da família Oliveira

Não sabemos o nome original da família Oliveira, descendente da tribo de Levi. Sabemos que, entre aqueles que se dirigiram para a Península Ibérica (judeus sefarditas, nome proveniente de Sefarad), a Itália e o norte da África, os nomes mais adotados foram: Olivarez, Oliva, Benveniste, Bienveniste, Benvenist e Del Medico. Entre aqueles, dessa família, que se dirigiram à Europa Central e Oriental (judeus ashkenasis, ou asquenazes, nome proveniente do hebraico medieval Ashkenaz, que designava a palavra Alemanha), foram adotados os seguintes nomes: Epstein, Horowitz e Segall.
Segundo a tradição hebraica, esta família levita era descendente de Corá (Coré), filho de Yitzhar (Izar), filho de Coat (Qehat), filho de Levi. De acordo com a Bíblia, Corá participou de uma rebelião contra Moisés e Aarão que deixou marcas profundas em seus descendentes e desencadeou a ira de Javé. A punição divina foi terrível, numa das passagens mais chocantes do Velho Testamento. Como pode ser lido em Números 16 1-35, a rebelião contou com a participação de Corá, Datã e Abiram, filhos de Eliab, e On, filho de Felet, sendo Eliab e Felet filhos de Rúben. A eles se juntaram mais duzentos e cinquenta homens, chefes da comunidade, membros do conselho, e pessoas de fama. Transcrevemos um trecho desta passagem bíblica:

3Eles se reuniram contra Moisés e Aarão, dizendo: “Chega! Todos os membros da comunidade são consagrados, e Javé está no meio deles. Por que vocês dois se colocam acima da comunidade de Javé?”. 4Quando ouviu isso, Moisés se prostrou com o rosto no chão. 5Depois falou a Corá e aos outros que estavam com ele: “Amanhã cedo Javé mostrará quem é dele e quem é o consagrado, e ele o fará aproximar-se. Fará aproximar de si aquele que ele tiver escolhido. 6Façam o seguinte: peguem os incensórios, vocês e todos que os seguem. 7Amanhã vocês acenderão neles o fogo e colocarão incenso diante de Javé. Aquele que Javé escolher, esse será o consagrado. E, por ora, chega, filhos de Levi!”
8Depois Moisés disse a Corá: “Agora, escutem, filhos de Levi! 9O que é que vocês estão querendo? O Deus de Israel separou-os da comunidade de Israel, levando-os para perto dele, para vocês servirem no santuário de Javé e estarem à disposição para servir à comunidade. 10Javé fez você e seus irmãos levitas se aproximarem dele. Agora vocês querem também o sacerdócio? 11Vocês e seus seguidores se revoltaram contra Javé! Quem é Aarão, para vocês protestarem contra ele?”


A ira de Javé não tardou. Moisés solicitou a presença de Datã e Abiram para deles pedir explicações de tão audacioso gesto, pois, há muito, Javé havia dado a Aarão a função de ser o sumo sacerdote de seu povo. Ambos se recusaram a comparecer, numa atitude de franco desafio e hostilidade a Moisés e ao sumo-sacerdote. Moisés ficou furioso e se queixou a Javé que nunca havia feito qualquer mal aos rebeldes. Moisés solicitou, então, para o dia seguinte, uma reunião junto ao Tabernáculo de todas as tribos e intimou Corá a estar presente.
A ira divina foi assim descrita (Números 16 20-24):
20Então Javé falou a Moisés e Aarão: 21”Afastem-se desse grupo, porque vou destruí-lo num instante”. 22Moisés e Aarão caíram com o rosto por terra e suplicaram: “Deus, Deus dos espíritos de todos os seres vivos! Foi só um que pecou, e tu vais ficar irritado contra todos?” 23Javé falou a Moisés: 24”Diga às pessoas que se afastem das tendas de Corá, Datã e Abiram”.

Assim foi feito, e Moisés avisou a todos da comunidade para se afastar das tendas de Corá, Datã e Abirã. Os anciãos foram os primeiros a segui-lo, depois toda a comunidade. Moisés falou, então, para todos, que se esses homens morressem de morte natural, como ocorre com todo ser humano, seria um sinal evidente de que ele, Moisés, não era o enviado de Javé. Mas se o chão sob os pés deles se abrisse e todos os rebeldes fossem engolidos e descessem à mansão dos mortos, então todo o povo de Israel saberia que ele era o enviado de Deus. Dito e feito. Terminadas suas palavras, o chão se abriu tragando os rebeldes e todos os duzentos e cinquenta homens que os seguiram. Enquanto os demais membros dos hebreus fugiam espavoridos, com medo de também ser engolidos pela terra, um raio de fogo acabou por consumir a todos (Números 16 26-35).


Sandro Botticelli. A punição de Corá, Datã e Abirã. Boticelli (1481). 
Afresco. 348,5 x 570 cm. Capela Sistina, Vaticano.


Passado algum tempo, os descendentes de Corá, foram sendo readmitidos nas cerimônias religiosas e se reintegrando aos ensinamentos hebraicos e se mantiveram na obediência ao sumo sacerdote. Não há relato escrito, mas, provavelmente, o trauma desse episódio perdurou por muito tempo entre eles. Some-se a isto, a ocorrência das terríveis provações pelas quais passou o povo de Israel, no decorrer dos séculos seguintes, pode-se imaginar o quanto esses descendentes de Corá se sentiam e o grau de seu sofrimento e respeito pelas autoridades de seu povo.



Capela Sistina, Vaticano. Ao lado da magnífica obra de Michelangelo, 
no teto, encontramos, nas laterais, afrescos de Botticelli.

Esta mesma tradição, que localiza a origem dos descendentes de Corá na cidade de Ramataim-Zofim, que, no primeiro século antes de Jesus Cristo, já no período da dominação romana, havia mudado seu nome para Arimatéia, nos informa que grande parte deste grupo fugiu da região, tomando de navios que partiram, talvez, do porto de Jope (atual Jaffa, agora unida a Tel-Aviv), em direção à Península Ibérica. Na ocasião, a Ibéria era uma província romana denominada Hispania Romana. O motivo da escolha da Hispania Romana foi que, apesar de ser membro do Império Romano, era uma região mais distante, tranquila e com menos fluxo de tropas romanas que no Oriente Próximo. Várias dessas informações podem ser obtidas no blog de Paulo Araujo: http://rambamm.blogspot.com.br/, ele um brasileiro, judeu sefardita, residente no Rio de Janeiro.
O local escolhido foi a cidade de Gerunda (atual Gironda, em catalão, Girona, em castelhano, e Gerona, em português). Importante localidade a noroeste da Espanha, próxima à atual Barcelona (antiga Tarraco), foi fundada pela tribo dos indigetes, pertencente aos povos Iberos. Este nome, Gerunda, especula-se, significa “entre o Undários”, nome que, na língua ibera significava “recebia o rio Oñar”. No segundo século a.C. os romanos a conquistaram, ali estabelecendo um importante posto militar na estrada por eles construída e chamada Via Heráclea, posteriormente Via Augusta. Os judeus aí viveram em paz por vários séculos, dedicando-se, principalmente ao cultivo da oliveira e à produção do óleo de oliva, que foi a principal inspiração para sua futura mudança de nome. Após a queda do Império Romano e o advento do reino visigótico, houve uma convivência relativamente pacífica com este povo bárbaro que, rapidamente, assimilou a cultura romana e a religião cristã. Em 711, ocorreu a invasão muçulmana na Península Ibérica. Gerunda foi invadida em 715. Durante o domínio muçulmano esta família era chamada de “ha-Levi” ou de “ha-Itshari” (de Itzhar, ou Izar). Mas o domínio muçulmano, na Catalunha, pouco durou. Tropas franco-germânicas, da dinastia Carolíngia, logo os expulsaram e mantiveram sua influência, na região, por muitos séculos. Aí se situa, talvez, o início da cultura catalã, uma síntese das culturas dos iberos, romanos, visigodos, muçulmanos e cristãos francos.



Hispania Romana


Gerona (Gerunda romana e Girona em espanhol), próxima a Barcelona.
Noroeste da Espanha.


Vias romanas que passavam por Gerunda.

No século XIII houve o esplendor cultural da comunidade judaica de Gerona. Sua escola cabalística representou importante papel, quando se destacou o rabino Nahmânides (o Bonastruc ça Porta, em catalão, cujo nome judeu era Moixé ben Nahman), que tornou-se, posteriormente, o Grão Rabino da Catalunha. A decadência da comunidade judaica começou no século XIV, agravando-se com o pogrom de 1391, quando os judeus foram encerrados na Torre Gironella, a fim de obriga-los a se converter ao cristianismo. O bairro judeu de Gerona, o Call, é um dos mais bem conservados da Europa e hoje constitui uma de suas atrações turísticas.



Gerona e o rio Onyar. Na região há a confluência dos rios Onyar, 
Ter, Galligants e Güel. Ponto estratégico das vias romanas 
para a Hispania Romana.

Neste período a futura família Oliveira tinha o nome de Benveniste. Percebendo a ameaça à sua sobrevivência, em função das perseguições cristãs e, sobretudo, pelo advento da Inquisição na região, antes que lhes acontecesse o pior, migraram para uma pequena comunidade chamada Cávia, ou Oliva-Cávia, encrustada nas montanhas próxima a Burgos, antiga capital de Castela. À época de sua migração, Burgos já estava em plena decadência em função da mudança da capital para Toledo. Estava, portanto, longe do grande movimento, do burburinho e das agitações religiosas que tanto ameaçavam os judeus. Segundo relato do geógrafo árabe Al Idrisi, no século XII, Burgos era uma cidade onde havia uma importante comunidade judaica. Algumas dessas famílias judaicas tinham o sobrenome de Olivares ou Olivarez, que significa serem de Oliva-Cávia.




Gerona. Muros da cidade velha.


Gerona, bairro judeu, chamado El Call. Aqui provavelmente 
viveram os ancestrais dos Oliveira na Espanha.

Em 1492, os judeus foram expulsos da Espanha pelos reis católicos, Fernando e Isabel. Não havia outra opção, a família Benveniste migrou, mais uma vez, para o norte de Portugal, na região do Minho. Foi neste período que, para manter seus laços culturais e familiares com seu antigo clã, da tribo de Levi, a família Benveniste resolveu mudar de sobrenome utilizando um criptograma. A palavra Oliveira (inspirada em suas atividades profissionais de comerciantes do óleo de oliva) contém as consoantes da palavra Levi, ou Levy: oLiVeYra. Outra correlação é o fato de serem descendentes de Yitzhar (Izar), isto é, eram Izaritas. A palavra Yitzhar, em hebraico, está relacionada com o óleo de oliva, e a árvore da oliveira produz o fruto de onde se extrai o azeite, que era usado na Antiguidade na unção sacerdotal. Como os levitas eram os sacerdotes do povo hebreu, a palavra oliveira veio bem a calhar. Assim, surgiu o sobrenome Oliveira.



Burgos, Espanha. Localização no mapa. Oliva-Cávia 
era um pequeno povoado desta cidade.

Houve aqui uma engenhosa e muito inteligente forma de se camuflar para fugir das perseguições. Além da palavra oliveira conter o fonema das letras latinas, no qual os sons representavam o som ou fonema do nome de sua família em hebraico Levy (L-V-Y). Nas línguas semíticas (hebraico, aramaico, árabe e o amarico da Etiópia) não se usavam vogais na palavra escrita, somente as consoantes. Esse estratagema linguístico salvou a vida de milhares de judeus sefarditas das garras terríveis da Inquisição.



Burgos e sua catedral medieval.
Muitos dos Benveniste que migraram para Portugal, quando a Inquisição chegou ao país lusitano, adotaram uma forma traduzida de seu sobrenome de família, a fim de disfarçar sua origem judaica. A tradução de Benveniste para o português é bem vindo, e assim adotaram o sobrenome de Benvindo. Esta família Benvindo, posteriormente, migrou para o Brasil, principalmente para a região do Nordeste, tornando-se grandemente numerosa no interior dos estados de Pernambuco e Bahia.



Burgos e suas fortalezas medievais. Cidade natal do lendário
cavaleiro Cid, el Campeador, que lutou contra os mouros,
motivo de romanceiros, livros e, na atualidade, de filmes.

Segundo vários historiadores, dentre os quais se destaca a profa. Anita Novinsky, uma das maiores autoridades mundiais em estudos da Inquisição portuguesa, no primeiro século após a descoberta do Brasil, calcula-se que a população judaica em nosso território tenha atingido a impressionante cifra de 35% do total de habitantes. Aí se incluíam os Oliveira, os Levi, os Levy, os Benveniste e os Antunes. Sua área de concentração foi marcadamente no Nordeste.
Segundo o já citado Paulo Araújo, em seu blog relacionado anteriormente, o fundador da família Oliveira, em Portugal, foi o rabino Rabi Abraham Benveniste, nascido em 1433, na cidade de Soria, província de Cáceres, no Reino de Castela. Era descendente direto do Rabi Zerahiá bem-Its’haq ha-Levi, de Gerona, que viveu no século 12. Este era chamado de há-Its’hari, ou de Itshari, já que sua genealogia remontava aos filhos de Its’har, tio do profeta Moshe Rabenu. Ele fugiu da Espanha, com toda sua família, antes do decreto de expulsão dos judeus, em 1492. Como eram de Oliva-Cávia, eram conhecidos como Olivares ou Olivarez. Ao fugir da Espanha, estabeleceu-se no sul da França. Seus descendentes, notadamente os que residiram em Oliva-Cávia, se mudaram para Portugal e deram origem aos Oliveira. Destes, algum tempo depois surgiram seus parentes (além dos que mantiveram o sobrenome Benveniste): Oliveyra, Olivares, Olivera, Oliver, Oliveros, Olivetti e Olivette.



Burgos, abadia de Santa Maria la Real de las Huelgas, 
fundada em 1180.
Com a intensificação da perseguição inquisitorial aos judeus, os originários de Oliva-Cávia tinham mais facilidade, após o batismo forçado, em adotar um sobrenome que lembrasse suas raízes judaicas.
Exemplos de outras famílias judaicas que camuflaram seus antigos sobrenomes para palavras da língua portuguesa: os Cohen, que significa sacerdote, adotaram o sobrenome Cunha; os Natan e Ben Natan, de origem levita, o sobrenome Antunes ou Antunez; os Ben Moreh, que significa filho do professor, os sobrenomes Moraes e Moreira; os Bem Menashe, que significa filhos de Manassés, o sobrenome de Menezes; os Ben Meir, que significa filhos dos iluminados ou dos sábios, os sobrenomes Meira e Meireles; os Fares, da tribo de Judá, os Faria; os Bem Soher, que significa filho ou descendente de comerciante ou de guardas,  os Soeiro e Soares ou Suarez; os Bem Nun, descendentes de membros da tribo de Efraim,  os Nunes e Nuñez; os Bem Shimon, da tribo de Simeão,  os Ximenes, Ximenez, da Galícia, e os Simões, de Portugal; os Guimarim, que significa estudantes e intérpretes da Guemara, tratado religioso judaico, descendentes da tribo de Levi, nos Guimarães; os Quirós, outra família levita, nos Queirós, Queiroz e Queiroga.
O sufixo ES ou EZ, que esteve presente no sobrenome inicial dos Olivares, era utilizado para identificar a descendência da família. Substituía a palavra hebraica ben, e do aramaico bar, cujo significado é filho de. Significam a expressão hebraica Eretz Yisrael (Terra de Israel). Disso derivou a expressão que se referia aos judeus como gente da nação, isto é, da nação judaica.
Dentre os judeus, convertidos à força para o cristianismo, os, assim chamados, cristãos-novos, de origem ibérica, podemos citar: Perez/Peres/Pires, Aires/Ayres, Anes/Annes (forma reduzida de Yohanes/Yochnam/João), Rodrigues/Rodriguez,Hernandez/Fernandes, Henriques/Henriquez, Mendes/Mendez, Alves/Alvez, Alvares/Alvarez, Gonçalves/Gonzalez, Martines (de Martins)/Martinez, Galvez/Galves, Gutierres/Gutierrez, Garcez/Garcês (de onde derivou o sobrenome Garcia), Ximenes/Ximenez, Soares/Suarez, Simoes/Simeones, Nunes/Nunez, Lopes/Lopez, Gomes/Gomez, Marques/Marquez, Paes/Paez (variantes do sobrenome Paz), Meireles, Menezes, Abrantes, Neves, Fontes, Bentes, Tavares, Teles, Torres e Guedes.
O rei de Portugal, D. Manuel I (o mesmo monarca da era do Descobrimento do Brasil), obrigou os judeus portugueses ao batismo forçado em massa. A família Olivares/Benveniste/Levy dividiu-se, quando conseguiu fugir da Espanha. Formaram-se três grupos com nomes diferentes: os Oliva-Cávia, posteriormente mudados para Oliver-Cavia e os Del Medico, decorrente do fato de que grande número de seus membros exercia a profissão de médico. Estes últimos partiram para a Itália, onde mudaram seu nome para dal Medigo. Os Olivares e os Olivete, quando entraram em Portugal, também mudaram o sufixo ES por EIRA. Assim, surgiu a família de Oliveira.

Muitas das famílias que saíram da Espanha, Portugal e da França para a Itália e que originaram os del Medico e del Medigo, se uniram em matrimônio às famílias de judeus ashquenazis e originaram as famílias levíticas Horovitz, Horowitz, Segal, Segall e Epstein.


A partir de fins do século XVI, durante o século XVII e, principalmente, durante o século XVIII, quando ainda a Inquisição portuguesa estava em plena atividade (só foi extinta com a invasão napoleônica em Portugal), os Oliveira migraram em massa para o Brasil, para outros países da América espanhola, Caribe, Estados Unidos e Canadá.

No norte de Portugal, as regiões, onde havia grande concentração de judeus que emigraram para o Brasil, em particular para a Capitania de Minas Gerais, englobam toda a região entre os rios Minho e Douro, principalmente os arcebispados do Porto e de Braga. Também no Arquipélago dos Açores havia grande número de judeus, fugidos da Inquisição, desde o século XVI. Nós, os Oliveira de Minas Gerais e de outras partes do Brasil, descendemos dessas famílias.



Região do Minho, norte de Portugal. Ao sul fica a região do Douro.



Castelo de Guimarães, Minho. A região foi o berço da nação 
portuguesa, no século XII.



Praça das Oliveiras. Centro histórico de Guimarães.



Todo o nosso território está repleto de descendentes dessas famílias judaicas. Em sua quase totalidade, tornaram-se cristãos-novos, adotaram os costumes, os hábitos, a moral e as atividades que os portugueses exerciam na terra tupiniquim. Com o correr do tempo, seus descendentes se esqueceram dos antigos hábitos judaicos de seus ancestrais, em grande parte por que suas famílias mantiveram segredo de seu passado, a fim de preservá-los das perseguições e da violência da Inquisição. Esta chegou ao Brasil, pela primeira vez, por volta de 1592 e só foi extinta durante o período do governo do Marquês de Pombal, em Lisboa, em meados do século XVIII. Pombal teve uma postura absolutamente anti-inquisitorial e antijesuítica.


Alguns hábitos, a rotina diária, a alimentação, princípios morais e atitudes religiosas, mesmo que não identificadas com o judaísmo, foram mantidos pelos descendentes dos judeus. Entre outras características podemos apontar a discrição, o hábito de poupar boa parcela de seus rendimentos, sempre na expectativa de precisar de recursos no futuro e o hábito dos casamentos consanguíneos. Também a prática profissional na lida com finanças e investimentos monetários, atividades intelectuais, profissões liberais, e diversas outras, que eram rotina entre os judeus, foram mantidas aqui por seus descendentes. Tendo em vista a migração para o hinterland brasileiro, onde as atividades agrícolas e pastoris se tornaram predominantes, estas famílias as adotaram como meio de vida. Muitos solicitaram e obtiveram cartas de sesmarias na Capitania de Minas Gerais, para onde foram se aprofundando em seu território. Alguns se estabeleceram em cidades como Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), Quelusito (então distrito de Queluz), São João Del Rey e Pitangui. Desta última, partiram os antigos cristãos-novos, agora católicos de fé, alguns até muito devotos, para o sertão do Campo Grande, na margem esquerda do rio São Francisco. Em diversas cidades da região se assentaram e criaram grande descendência. Uma dessas famílias se assentou, como sesmeira, em terras próximas à Serra da Saudade. Terras pertencentes a Custódia Luiza de Sant’Anna e vários de seus parentes. Seu genro Manuel Alves Cirino constituiu a Fazenda Cachoeira, berço dos Oliveira da região de Dores do Indaiá. Foi ele também um dos sesmeiros e fazendeiros que participaram da fundação do Arraial da Boa Vista, futura cidade de Dores do Indaiá. Fecha-se, assim, o ciclo histórico e a saga desta família, de Jerusalém à Serra da Saudade.


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A bibliografia utilizada para o preparo deste texto encontra-se no blog:


Para outras informações sobre a origem judaica da família Oliveira, podemos indicar os seguintes links:

http://rambamm.blogspot.com.br/ Blog de Paulo Araujo. Judeu Sefaradita. Atuante em ensino Bíblico e palestrante nas áreas de Teologia Própria e Homilética Básica, no Rio de Janeiro, Brasil.

O Atlas Bíblico pode ser acessado em:

Sobre a cidade de Ramataim-Zofim podem ser obtidas mais informações em:
http://en.wikipedia.org/wiki/Ramathaim-Zophim e

http://www.infoplease.com/encyclopedia/society/ramathaim-zophim.html#ixzz2M8O3gRG9).

Para uma belíssima visita virtual à Capela Sistina, no Vaticano, onde se encontram pinturas de Sandro Boticelli, uma delas intitulada A punição de Corá, Datã e Rabirã:


A região do Minho, Portugal:

http://www.youtube.com/watch?v=tNZ79H2h84I

5 comentários:

  1. Incrível a descrição detalhada sobre a história dos hebreus que muito me impressiona pois sou cristã adventista e tenho muito apreço pelo estudo da Bíblia. Qual não foi a minha surpresa ao procurar a genealogia do meu sobrenome Oliveira e descobrir em seu site que ela remonta aos Levitas,tribo que cuidava do Santuário, uma das doutrinas biblicas mais significativas que apontava para o Sacrifício de Jesus, o Cordeiro de Deus. Muito Obrigada por me ajudar a compreender as minhas origens. Ajudou -me a entender muita coisa sobre mim mesma, sobre meus interesses, sobre o que eu acredito!

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  2. Achei muito legal a história sobre a família de Oliveira, eu já venho estudando sobre o assunto faz alguns anos, inclusive pretendo passar 50 dias e Israel terra dos meus pais.

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  3. De mais!!
    Sou cristã e tbm Oliveira .
    Muito feliz por nascer neste País, onde eu posso louvar, falar e clamar o nome do meu Deus!!
    JESUS CRISTO sem ser oprimida ou até mesmo morta.
    OBGD SENHORR.

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  4. Parabéns, Dr. Antônio Carlos, por esse belo e grandioso trabalho sobre genealogia judaica!
    Estava procurando alguém que não fizesse rodeios sobre um dos Patriarcas da Família Oliveira - só encontrava que era o Tio de Moisés, Yits'har, mas omitiam de qual dos filhos dele descenderiam os Oliveira. Como ele era o pai do Coré (Qorah), suspeitei que essa lacuna se devia por esse filho dele ter infernizado a vida de Moisés, se tornando um dos vilões da Bíblia. O bom genealogista, porém, não deve ocultar seus antepassados que tiveram uma má conduta. Se a Bíblia narrasse apenas a vida dos Santos, e somente suas boas obras, seria um livro maçante.

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