sábado, 10 de outubro de 2015

Os Tempos em Que Vivi em Dores do Indaiá




José Ferreira Carrato. Mapa da capitania de Minas Gerais, s/d.

Mesmo tendo vivido pouco em Dores do Indaiá, a cidade continuou fazendo parte de minha vida de forma indelével. Nasci em São Paulo (SP), em 1944, já que meus pais residiam em Barretos, no mesmo estado. Quando de meu nascimento, os médicos aconselharam meus pais a procurar a capital dado que era uma gravidez de alto risco. O parto anterior de minha mãe, ainda em Dores, em 1942, que fora o primeiro, havia sido extremamente difícil e ela quase perdera a vida. Nós moramos em Barretos até 1947, quando meus pais, eu e mais dois empregados, voltamos para Minas e fomos residir em Campos Altos. Meu irmão, Dilermando Corrêa Filho, nasceu pouco após nossa vinda para Minas, em Luz. Posteriormente, nos mudamos para esta cidade.


Henrique Gerber, 1867. Carta da província de Minas Geraes, 
com indicação das actuaes estradas e das despesas 
com ellas feitas durante o decennio de 1855 e 1865.


A primeira vez que tive contato com Dores foi por volta de 1947. Ali nos hospedávamos na casa de meus avós paternos Sebastião Corrêa de Souza e Virgínia Angélica Fiúza, que moravam com sua filha solteira Maria da Conceição Corrêa. Na foto abaixo, por volta de 1948, eles podem ser vistos na pequena varanda da casa.


Casa de meus avós paternos, à Rua São Paulo, 300, Dores do Indaiá.
Da esquerda para a direita: minha tia Conceição Corrêa, meu avô
Sebastião Corrêa de Souza, bisneto de um dos fundadores de
Dores do Indaiá, e minha avó Virgínia Angélica Fiúza, filha
da lendária Etelvina Maria dos Santos (ou Etelvina Fiúza).


Lembro-me bem da penosa viagem naqueles tempos, em jardineira sacolejante pelas estradas esburacadas e empoeiradas. Ainda não havia a BR 262, construída mais de duas décadas depois. Deixamos Barretos, passamos por Uberaba, Araxá, Ibiá, São Gotardo e, para pavor de boa parte dos passageiros, cruzávamos a Serra da Saudade de onde, lá do alto, se descortina uma vista simplesmente deslumbrante. 


Uma jardineira que ligava Dores do Indaiá
 às cidades próximas na década de 1940.  
Foto do acervo de Antônio  Fernando de Melo Fiúza. 
Autoria desconhecida.

Jardineira do Sr. Maurílio Tibúrcio da Silva (Bizinho), 
de sua empresa Beija Flor, e que se encontra à esquerda 
na foto. À direita, o trocador, o jovem Manoelzinho.
Foto Leonam, Luz  18.05.56. 
Nesta jardineira, durante anos eu percorria
o trajeto Luz-Dores do Indaiá e vice-versa (1952-1959).

Jamais desaparecerão de minha memória as imagens que via e as emoções que sentia naquele fim-de-mundo. Um dos trechos mais apavorantes era passar pela Curva da Morte, isto mesmo, a curva tinha este nome e nela já havia morrido muita gente, quando ônibus, automóveis ou caminhões mergulhavam no despenhadeiro sem fim. As cruzes fincadas no chão, ora junto ao talude do corte da montanha, ora na descida do despenhadeiro, estavam lá para testemunhar a desgraça de muitas famílias. Meu rosto estava colado ao vidro da janela e eu via aquele espetáculo emudecido de pavor.


Mappa da viação do Estado de Minas Geraes, 1928. Ferrovias.

Abaixo de nós, rente ao piso da estrada, o chão desaparecia e se perdia numa descida estarrecedora. Ao longe, bem longe, sinais de fumaça, revelando a presença do homem, sempre nociva à natureza e, vez ou outra, pequenos pontos brancos representando cidades ou vilarejos. Havia quem saísse do lado em que a jardineira dava para o penhasco, para ver se fazia mais peso no lado contrário, a fim de estabilizar o veículo e não deixa-lo tombar na ribanceira mortífera. Sobressaltados, passávamos por todas aquelas curvas traiçoeiras e começávamos a lenta descida da serra. Ao fim de penosos tormentos, cobertos de poeira (meu pai usava um guarda-pó, hábito muito comum nos viajantes daqueles tempos, para proteger sua roupa), cansaço e medo, após passar pelo vilarejo que mais tarde se tornaria a cidade de Serra da Saudade, chegamos ao planalto do pé da serra. Enfim! Dentro de mais algum tempo passamos por Estrela do Indaiá, onde uma breve pausa foi feita para um pequeno repouso, a tradicional ida ao toilete, um cafezinho, um biscoito e um pão de queijo. Tudo bem mineiro!


Serra da Saudade. Vista nordeste.
S/d. Foto Altoabaeté.

Mas, a jornada para Dores do Indaiá ainda não terminara. Passávamos pelo morro do Palhano, um cocoruto a oriente da Serra da Saudade, acidente geográfico este que nunca mais sairia de minhas lembranças infantis, dado que meu pai contara, por diversas vezes, que, quando criança e brincava com amigos por aquelas bandas, se perdera lá no alto do morro. Em minhas fantasias ficava a imaginar-me perdido naquelas grimpas, isolado do mundo, ameaçado por animais selvagens (a onça pintada era sempre a maior vilã de todas!) e uma profunda aflição me acudia. O sono daquelas noites era sempre tumultuado por sonhos ameaçadores, em que a onça pintada, a Curva da Morte, o alto da Serra, a poeira e o cascalho da estrada, e o abismo infinito me açoitavam como a Heathcliff em sua saga no Morro dos Ventos Uivantes, do romance da britânica Emily Bronté. Nada era capaz de amenizar esse sofrimento, nem a visão do verde da Mata da Eufrásia, já no planalto ao sopé da serra, que atravessávamos, pois se encontrava bem no nosso longo trajeto. Somente muito recentemente soube que essa mata recebera seu nome, ainda em princípios do século XIX, em homenagem a uma ancestral de nossa família, proveniente da fazenda Cachoeira, situada naqueles ermos.



Serra da Saudade. Vista para Estrela do Indaiá e Morro do Palhano.
S/d. Foto Altoabaeté.

Serra da Saudade. Curva da morte. Vendo hoje não parece
assim tão íngreme e escarpada como ficara gravada na mente 
de uma criança de 3 anos. S/d. Foto Luiz C. Alves Sg.

Mapa de Dores do Indaiá, antes de 1923. Fonte: Carlos Cunha
Corrêa, Serra da Saudade, p. 224-A.


Estrada de Dores do Indaiá para Belo Horizonte, próxima
 ao Vale do Caixão. Sem data, provavelmente em fins da  
         década de 1950. Foto postada por Eliane Ribeiro no Facebook, 
    no grupo História de Dores do Indaiá, e que foi tomada por 
seu pai.


Para aumentar a angústia, passávamos ainda pelo Vale do Caixão, onde havia uma venda e uma pequena oficina de borracheiro, para o caso de reparos em pneus furados ou rasgados pelas pedras da estrada. Havia outras casas e moradores na região, o que tornava o local um pequeno povoado. Esse nome não me era muito animador e, confesso, ficava louco para sair logo dali, um ambiente para mim um tanto macabro. Muito depois, eu soube que o nome do local celebrava a vida e não a morte, quando um dos moradores da região, que se acreditava morto e, quando tinha seu corpo levado na carroceria de um caminhão para Dores, erguera-se do caixão e, desfeito o apavoramento inicial dos seus acompanhantes, tudo foi celebrado com alegria e júbilo. O caixão foi, propositalmente, atirado numa das grotas daquele vale, para ser esquecido. Mas não o foi, tanto que deu nome à infeliz paragem. Mas não havíamos ainda chegado. Era necessário percorrer um bom pedaço de chão para que a meta fosse atingida. Ultrapassamos o córrego do Leitão, os ribeirões das Antas, dos Porcos, dos Patos, era uma bicharada sem fim, quando avistávamos ao longe a colina que nos separava de Dores do Indaiá. No topo desta última colina avistamos as primeiras casas e a torre da Matriz de Nossa Senhora das Dores. Meus pais estavam emocionados. Emoção que me acompanha desde então quando vou a Dores e tenho esta vista inesquecível do alto da colina. Enfim, chegamos sãos e salvos depois desta verdadeira aventura! Que em minha memória permanece como se tivesse sido cumprida há uns poucos anos!



Uma das jardineiras daqueles tempos, mais moderna, 
entretanto, que aquela na qual empreendi essa 
verdadeira epopeia que era vir de São Paulo 
para Minas Gerais.
Fotografia s/d. Autor desconhecido.


A cidade de Dores do Indaiá que conheci era bem diferente da atual. Para um menino, era uma cidade grande, cheia de atrativos, repleta de parentes e amigos. Aliás, o que mais via eram os parentes. De todas as famílias, de todos os tipos, de todos os gostos. A tradição dorense era a dos casamentos entre primos, mesmo os de primeiro grau. As autoridades eclesiásticas faziam vistas grossas para tal comportamento, bem diferente dos tempos coloniais ou do Império, quando, para que tais matrimônios fossem celebrados, era necessária uma autorização eclesiástica especial. Apesar de ser uma pacata cidade do interior, havia uma vida cultural e social muito interessantes. Nas fotos seguintes pode-se ver um pouco da Dores do Indaiá daqueles tempos.



A Escola Normal Francisco Campos. S/d. Autor desconhecido.
Construção concluída em 1928/9, por obra do grande
jurista e político Francisco Campos. Nesta escola minha mãe, 
Maria de Oliveira, se graduou em dezembro de 1937.



Matriz de N.S. das Dores. S/d. Autor desconhecido.
Esta foto é de um período anterior, mas retrata bem 
o principal ponto de referência da cidade. 
Sua construção foi iniciada em 1914 e levou 
7 anos para ser concluída.


Interior da Matriz de N.S. Dores. 1948.
Foto de Paulo Ribeiro de Andrade e Fausto A. Bernardes.
Pinturas riquíssimas e de imensa beleza.
Patrimônio, infelizmente, destruído na década de 1970,
 quando, de uma “restauração”, teve toda sua pintura 
antiga sobreposta por uma  cor “rosa choque”, 
dentro e fora da Igreja.


A Matriz e o seminário. S/d. Autor desconhecido.


Matriz vista da Praça São Sebastião (onde a cidade foi fundada).
A foto é de 1928. Autor desconhecido. Apesar de vinte anos mais 
antiga que minha primeira passagem pela cidade, retrata 
perfeitamente o ambiente que conheci. Na ocasião, a Matriz 
tinha duas torres na parte de trás. Em decorrência da presença de 
“goteiras”, essas torres traseiras foram demolidas (!?).


Vista da cidade do alto da Matriz. S/d. Foto Philadelfo.
Esta foto foi reproduzida no livro “Serra da Saudade”,
  de Carlos Cunha Corrêa. Foi tomada na década de 1940.


Vista da cidade do alto da Matriz. S/d. Autor desconhecido.
A primeira casa à direita abrigou a Escola Técnica de 
Comércio São Luiz e o Ginásio Dorense, onde estudei. 
Ao fundo, ao fim da rua principal, a Escola Normal.
Esta foto foi tomada antes de 1937, pois a antiga 
Matriz de São Sebastião pode ser vista
à direita, no meio da praça de São Sebastião. 
Ela foi demolida nesse ano.


Foto tirada do mesmo ângulo das anteriores. S/d (década de 1950).
A Escola Técnica de Comércio São Luiz já funcionava na primeira
Casa à direita. Ao fundo, à direita, pode se ver a praça São Sebastião, 
já sem a Matriz de São Sebastião. O grande edifício do cinema, 
construído nesse período, pode ser visto ao centro, 
mais para o fundo, em branco.


Fui morar com meus avós em agosto de 1950, logo após o falecimento de minha mãe, em Luz. Aqui começam minhas recordações mais precisas de Dores do Indaiá. Temos poucas fotos desta casa. Uma delas, em um barracão ao lado da casa, vista logo abaixo, retrata as bodas de ouro de meus avós paternos, Sebastião Corrêa de Souza e Virgínia Angélica Fiúza, em 6 de junho de 1951, evento que reuniu toda a família em torno dos avós tão queridos.



Bodas de ouro de Sebastião Corrêa de Souza 
e Virgínia Angélica Fiúza. Seis de junho de 1951.


Em 2003, após o falecimento de minha tia Maria da Conceição Corrêa, meu filho Marcelo Albuquerque Corrêa, artista plástico, pintou quatro aquarelas retratando esta casa. Elas revelam perfeitamente o que ficou em meu imaginário.

      Aqui as reproduzo:


Esta é a visão lateral da casa, onde se vê o jardim, 
que também servia de garagem, e a pequena varanda 
da qual guardo lembranças vívidas.


Aqui, a lateral da casa, dando para o quintal 
e, ao fundo, a torre da Igreja do Rosário, 
cujo sino, de hora em hora, assinalava o 
interminável passar das horas. A janela à 
direita se abria para a copa, onde passávamos
momentos extremamente agradáveis 
servindo-nos das iguarias da terra.
O prato preferido de meu avô tornou-se 
meu até hoje: frango, arroz, quiabo e angu. 


Aqui, uma visão dos fundos da casa com seu quintal com 
duas mangueiras e uma horta. Quando ali morei, 
a casa era interligada com um lote ao lado, 
          onde antes havia um barracão onde meu 
       tio Luiz Ribeiro Corrêa guardava o café colhido 
em sua fazenda na Serra da Saudade. O perfume das flores 
  e o aroma das árvores está impregnado em mim até hoje.



Marcelo Albuquerque (1977- ) – Casa de Conceição 
(parte 4). Aquarela (45 x 36 cm). Coleção particular. 

Esta imagem traz ao autor, recordações vívidas e inapagáveis dos 
momentos aí vividos na infância e juventude, em Dores do Indaiá, (MG), 
uns alegres, outros tristes, como tudo enfim na vida. Assim como a 
obra de Marcel Proust trouxe, para ele e seus leitores, a memória vívida 
de tempos perdidos. Proust descreve em A Busca do Tempo Perdido
quando o sabor e o aroma do chá com a madeleine (pequenos biscoitos) 
na casa da tia Léonie, trouxeram imediatamente à sua memória as 
imagens de sua infância, na mesma sala da casa da tia, na cidadezinha 
francesa de Illiers-Combray, esta imagem acima, para o autor, traz 
recordações imediatas das pessoas que por aí passaram, de seus rostos, 
das tonalidades de suas vozes, do ruído do vento nas árvores do quintal, 
do cheiro das mangueiras e flores. Tempos inesquecíveis, que da 
memória nunca serão furtados.
Texto extraído de meu livro Memória, Aprendizagem e Esquecimento. 
A memória através das neurociências cognitivas. (Rio de Janeiro, 
Editora Atheneu, 2010).


Cine teatro Indaiá. S/d. Autor desconhecido.
Vivi grandes emoções neste cinema, hoje transformado
em depósito de material de construções.


Morei com meus avós paternos até dezembro de 1951. Neste ano, fiz o meu primeiro ano do curso primário no Grupo Escolar Dr. Zacarias. Minha primeira professora foi D. Carminha Soares, prima em primeiro grau de meu pai. Era enérgica e exigente, mas muito respeitada e admirada por todos. Nossa diretora era D. Anita Faria, amiga da nossa família e que morava bem próximo de nós.



Grupo Escolar Dr. Zacarias. S/d. Autor desconhecido.


Em 2001, celebramos o cinquentenário de conclusão do 1o. ano do curso primário. Na ocasião, conseguimos reunir nove colegas de uma turma de trinta alunos. Festa inesquecível, com direito a saudações, discursos e apresentações de coral, dança, declamação de poesias. Um de nossos colegas agradeceu pelo grupo, o jornalista Ruben-Hur Rocha. Belas palavras, que expressaram nossa grande emoção. Descerramos a placa de bronze onde se encontra inscrita a relação da diretoria da escola em 1951, da diretora de 2001, da professora, e de todos os colegas, ao lado da sala de aula que frequentamos. Foi uma emoção indescritível que nos marcou a todos.



Placa comemorativa dos 50 anos da turma de 1951 no
Grupo Escolar Dr. Zacarias, em dezembro de 2001.


Em dezembro de 1951, deixei Dores, em função do casamento de meu pai, em segundas núpcias, em Luz, onde com ele residi e estudei no período 1952/55. Em 1956 estudei em regime de internato no Ginásio São Geraldo, de Divinópolis, dirigido pelo lendário professor Martin Cyprien, de origem francesa. Somente retornei a Dores em 1957, para iniciar o primeiro ano de Ginásio, inicialmente no antigo prédio da Escola Técnica de Comércio São Luiz, em 1957, próximo à Matriz de N.S. das Dores, e nos dois anos seguintes no Colégio Dorense, na Praça do Rosário.




Ginásio Dorense, quando funcionou no antigo prédio
da Escola Técnica de Comércio São Luiz. S/d. Autor desconhecido.
Vemos um dos tradicionais desfiles que ocorreram durante
décadas por ocasião de festividades cívicas.


Tivemos alguns professores extraordinários, dentre os quais posso ressaltar: João Neves (matemática), Mario de Oliveira Carvalho (francês), José de Oliveira Carvalho (inglês), Ozanam Botinha (português), Adélia de Oliveira (geografia), Pedro de Oliveira (Pedico – biologia), Leonardo Vasconcelos (latim), Amélia Soares de Vasconcelos (história) e muitos outros cujos nomes minha memória teima em não recuperar.


Ginásio Dorense, na Praça do Rosário. S/d. Autor desconhecido.
Na foto, de período anterior ao em que aí estudei, o ginásio
mostra-se um pouco abandonado, sem viço. O contrário daquele 
educandário que conheci.

Seu diretor era o Prof. Ozanam Botinha. Durante os três anos em que estudei em Dores, fui o aluno aprovado em primeira colocação nas turmas, em função de disposição nova para estudar. Minha avó Virgínia era uma pessoa encantadora, proporcionando-me total liberdade para estudar, ao meu jeito. Minha tia Conceição Corrêa era vice-diretora do Grupo Escolar Benjamim Guimarães e, trabalhando à tarde, não tinha tempo de cobrar-me as lições. Assim, adquiri o censo de responsabilidade e aplicação nos estudos, qualidades que me acompanham até hoje. Sempre considerei o ano de 1957 o Ano de Ouro de minha vida, pela grande motivação para os estudos despertada em mim quando vivi essa temporada na cidade.



A pacata Dores do Indaiá de início da década de 1950, nos tempos
em que ali vivi. S/d. Foto de autor desconhecido.


A tranquilidade era a tônica desta bela cidade 
do Campo Grande.
Foto de 1951. Autoria desconhecida.


Bucólica, singela, poética. Assim era Dores do Indaiá nas 
décadas de 1950/60.
S/d. Foto de autor desconhecido.


Concluí a 3a. série do ginásio em 1959, quando me mudei definitivamente de Dores do Indaiá, vindo para Belo Horizonte em 8 de dezembro, onde meu pai já residia com a família. Na Capital enfrentei o difícil concurso para o Colégio Estadual de Minas Gerais (Estadual Central) e fui aprovado, com boa colocação, em função de meus aplicados estudos em Dores. Saí de Dores, mas Dores não saiu de mim.


A estação do trem da RMV. S/d. Autor desconhecido.
Minha última passagem por Dores do Indaiá, no período 
em que ali residi.


Tomei do trem da Rede Mineira de Viação em direção a Belo Horizonte, junto com muitos colegas, parentes e amigos que vieram para as férias de fim de ano. Trem lotado, partiu de Dores às 6 horas da manhã. Quando passava pelo Velho da Taipa, distrito de Pitangui, descarrilou, tendo levado mais de três horas até que fosse recolocado nos trilhos. Quando cheguei a Belo Horizonte, à uma hora da madrugada, do dia seguinte, estava exausto, preto de fuligem de carvão, com partes queimadas da roupa em decorrência das brasas soltas pela locomotiva, mas feliz e, ao mesmo tempo, apreensivo pelo futuro que me aguardava na Capital. Tudo na nova cidade era uma incógnita. Tudo estava para ser construído. E assim foi.

Ficou de Dores, em mim, os versos do grande poeta dorense, Tonico Caetano:

Nossa cidade encantada,
De horizontes luminosos,
Quanta saudade desperta,
Com seus aspectos formosos.
Fica entre verdes colinas
E passarinhos e flores
A freguesia das Dores
Nos fins dos sertões de Minas.


      Antônio da Silva Caetano Guimarães Júnior. 
                        Paisagens de Nossa Terra.
                  Belo Horizonte. Editora do Autor, 1970.


A estação ferroviária. S/d. Autor desconhecido.
Minha última visão da cidade.

As Origens de Meus Antepassados

Robert Walton. A new and Accurat Map of the World....,
1656-1659 39x52cm.

           
       Pertenço a uma grande família de Dores do Indaiá, região do Oeste de Minas Gerais, Brasil. Meus antepassados se estabeleceram na região em fins do século XVIII e durante o século XIX, e uma parte deles ainda ali se encontra. Meus ancestrais pertencem às linhagens das famílias Corrêa, Oliveira, Fiúza, Cunha, Ribeiro, Coelho, Mendonça, Souz(s)a e outras. A grande maioria se mudou de Dores do Indaiá e a maior parte reside em Belo Horizonte, capital do estado. Mas também se encontram espalhados por vários estados brasileiros. 


Frederick de Witt. Pascaert van Brasil
(Carta do Brasil), 1680   48x56cm


      O objetivo deste blog é compartilhar informações e fotografias de meus antepassados com os meus parentes, amigos e outras pessoas que estejam interessadas em trocar informações sobre seus ancestrais. É um blog aberto, que todos podem acessar e onde podem enviar informações, desde que pertinentes ao tema abordado. 
      Vou ilustrar esta viagem pelo tempo com mapas, pinturas, desenhos, fotos, vídeos caseiros e informações sobre a história de nossas linhagens. Essa história é muito antiga. Para algumas já existem indicações, mais ou menos precisas, de que tiveram origem na Antiquidade, mais exatamente na Palestina e Mesopotâmia. Para outras, encontramos lacunas genealógicas por períodos que podem abranger décadas ou séculos. Em uma delas, descobrimos uma tradição hebraica que, segundo a Bíblia, retroage sua genealogia até Adão, quando Deus criou o mundo. Fantasia ou não, são dados que merecem ser investigados e apurados na medida do possível.


Coronelli, Vincenzo (1650-1718). L'Amerique meridionale ou la Partie Meridionale des indes occidentales, 1689.

      Talvez, a verdade histórica nunca venha a ser completamente esclarecida, mas as tradições orais e escritas de um povo devem ser levadas em consideração, pois a genealogia moderna, a tecnologia investigativa histórica, a arqueologia, os estudos de história comparada têm confirmado muitas tradições orais que se supunham fantasias. Para outras famílias, tenho encontrado evidências documentais que remontam ao início da Reconquista da Península Ibérica, feito realizado pelos cristãos, quando começaram a expulsar os mouros de seu território. Para esta família, encontrei referências escritas que remontam à cidade de Toledo, Espanha, ainda no século X, provavelmente de origem moçárabe ou judaica.


Hondius, Hendrik (1597-1651). America Pars Meridionalis, ca.1640.


      Existem históricas edificantes, de grandes heróis entre nossos antepassados, que hoje são completamente desconhecidos entre nós. Alguns tornaram-se mesmo heróis em terras de Espanha e Portugal. Mas, encontramos também histórias tristes durante o negro período do império da Inquisição do Santo Ofício. Muitos deles foram vítimas desta instituição quando somente almejavam professar seu culto religioso em paz e conviver tranquilamente com pessoas pertencentes aos demais credos religiosos. Esta era a tradição de suas famílias havia quase dois mil anos. São histórias de horror, impensáveis nos dias atuais. Temos histórias de enlevos de amor, de despojamento, de aventuras, durante os tempos das Grandes Navegações, histórias de coragem e destemor. Mas também histórias de longa perseguição que levou muitos de nossos ancestrais a se embrenhar pelos sertões do Brasil, em particular pelas Minas Gerais do século XVIII, fugindo da fogueira e da morte certa nas garras da Inquisição. Muitos aqui participaram dos primeiros acontecimentos marcantes de nossa história, como as bandeiras, as primeiras atividades comerciais e as descobertas do ouro e de diamantes.



Bussemacher, Johann (1580-1613).  Peruuia id est Noui Orbis pars Meridionalis à proestantissima eius in Occidentem regione sic appellata,  1598.


      Existem histórias de fundadores de vilarejos que depois se tornaram cidades, de escritores corajosos, de homens humildes e iletrados, de pessoas trabalhadoras e honestas, que batalharam o sertão com sua rudeza e falta de total recurso. Muitos desses homens se tornaram líderes de comunidades incipientes. Um deles doou terreno de sua propriedade para a construção de um dos primeiros arraiais. Ao mesmo tempo, observamos que eram pessoas pacíficas, de boa índole, além de, como já afirmamos e ressaltamos, terem sido trabalhadoras e honestas. Mas, a marca do medo da maldade da Inquisição nunca os abandonou. Mesmo após a adoção da fé católica, após se tornarem cristãos-novos (antes todos, sem exceção, eram judeus ou moçárabes), não tinham confiança suficiente nas autoridades e fiscais da Coroa Real e dos inquisidores. Preferiram uma vida de mais recolhimento em suas fazendas, algumas muito distantes umas das outras, onde as notícias chegavam com muito vagar e se mantiveram isolados do mundo civilizado por anos ou décadas. Mas, assim poderiam preservar suas vidas preciosas e de suas famílias. Por isso, grande parte deles são pessoas que herdaram a discrição, o silêncio e a fuga dos holofotes, da publicidade e da fama.



Heinrich Bunting, 1581. Die Ganze Welt in Einen Kleberbat/Welches Est der... Hannover.     26/36 cm

      Há muito se diz no Brasil que os sobrenomes baseados em nomes de plantas (Carvalho, Oliveira, etc.), de animais (Leão, Carneiro, Lobo, Coelho, etc.), em toponímia (nomes próprios de lugares e geografia (Porto, Lisboa, Toledo, Évora, Ribeiro, etc.), alcunha (Moreno, Bueno, Preto, Branco, etc.), de profissões (Ferreira, Caldeira, Correia, etc.), derivados de pessoas (Fernandes, Henriques, etc.), são de famílias de origem judaica, de cristãos-novos e marranos. Tal crença é considerada hoje, na moderna historiografia judaica, como uma lenda. Muitos desses sobrenomes já eram usados por antigas famílias de cristãos-velhos na Península Ibérica desde a baixa Idade Média. Muitos desses sobrenomes podem não ter nenhuma relação com ancestrais hebreus. Podem ser de origem romana, visigoda, celta ou árabe. Descobrir quais famílias tem ascendência judaica é um trabalho que requer grande esforço, empenho, paciência e muito tempo de pesquisas.



Blaeu, Joan (1596-1673). Nova et accuratissima totius orbis tabula, 1659.


A grande dificuldade se dá no momento em que, pesquisando árvores genealógicas, nos deparamos com mudanças súbitas nos sobrenomes, que nada têm a ver com os que lhe sucedem temporalmente. Muitas vezes isso ocorreu em função da grande perseguição que a população hebraica sofreu na baixa Idade Média e no Renascimento por questões étnicas, religiosas, políticas e sociais. Muitas famílias hebraicas foram obrigadas a trocar seus sobrenomes, cristianizando-os, ou adotando os nomes de famílias antigas cristãs, para fugir às perseguições. Foram inúmeros os casos de famílias hebraicas unidas por laços de amizade ou de negócios com famílias tradicionais da Península Ibérica. Essas últimas acederam em emprestar seus sobrenomes para os judeus com a finalidade de protegê-los da fúria sanguinária da Inquisição e da turba ensandecida e ignorante, guiada por um sem-número de sacerdotes fanáticos. Na maioria das vezes, havia o sórdido interesse pecuniário da expropriação do patrimônio das famílias judaicas para fins de enriquecimento pessoal ou de poder político.

Ortelius, Abraham (1527-1598). Typus Orbis Universalis, 1587.

Desta forma, cada caso é um caso e demanda uma pesquisa própria e particularizada. Abaixo, apresentamos uma lista de famílias que, mais frequentemente, são apontadas como de origem hebraica entre nós. Muitas o são realmente, outras não. De qualquer forma, é interessante conhecer essa lista para se ter uma ideia da importância judaica em nossa formação histórica e da composição de nossas atuais famílias. Certeza mesmo, só com o teste do DNA mitocondrial, onde a genética poderá nos demonstrar qual o grau de parentesco que cada uma delas tem com o povo judeu. Na Europa e nos Estados Unidos, hoje em dia, os testes de DNA são cada vez mais frequentes, principalmente em estudos históricos e antropológicos. Em Portugal já existem inúmeras estatísticas mostrando, em percentuais, a relação genética da população lusitana com o povo hebreu.

A

Abreu Abrunhosa Affonseca Affonso Aguiar Ayres Alam Alberto Albuquerque Alfaro Almeida Alonso Alvade Alvarado Alvarenga Álvares/Alvarez Alvelos Alveres Alves Alvim Alvorada Alvres Amado Amaral Andrada Andrade Anta Antonio Antunes Araujo Arrabaca Arroyo Arroja Aspalhão Assumção Athayde Ávila Avis Azeda Azeitado Azeredo Azevedo

B

Bacelar Balão Balboa Balieyro Baltiero Bandes Baptista Barata Barbalha Barboza /Barbosa Bareda Barrajas Barreira Baretta Baretto Barros Bastos Bautista Beirão Belinque Belmonte Bello Bentes Bernal Bernardes Bezzera Bicudo Bispo Bivar Boccoro Boned Bonsucesso Borges Borralho Botelho Bragança Brandão Bravo Brites Brito Brum Bueno Bulhão

C

Cabaco Cabral Cabreira Cáceres Caetano Calassa Caldas Caldeira Caldeyrão Callado Camacho Câmara Camejo Caminha Campo Campos Candeas Capote Cárceres Cardozo/Cardoso Carlos Carneiro Carranca Carnide Carreira Carrilho Carrollo Carvalho Casado Casqueiro Cásseres Castenheda Castanho Castelo Castelo Branco Castelhano Castilho Castro Cazado Cazales Ceya Céspedes Chacla Chacon Chaves Chito Cid Cobilhos Coche Coelho Collaço Contreiras Cordeiro Corgenaga Coronel Correa Cortez Corujo Costa Coutinho Couto Covilhã Crasto Cruz Cunha

D

Damas Daniel Datto Delgado Devet Diamante Dias Diniz Dionisio Dique Doria Dorta Dourado Drago Duarte Duraes

E

Eliate Escobar Espadilha Espinhosa Espinoza Esteves Évora

F

Faísca Falcão Faria Farinha Faro Farto Fatexa Febos Feijão Feijó Fernandes Ferrão Ferraz Ferreira Ferro Fialho Fidalgo Figueira Figueiredo Figueiro Figueiroa Flores Fogaça Fonseca Fontes Forro Fraga Fragozo Franca Francês Francisco Franco Freire Freitas Froes/Frois Furtado

G

Gabriel Gago Galante Galego Galeno Gallo Galvão Gama Gamboa Gancoso Ganso Garcia Gasto Gavilão Gil Godinho Godins Goes Gomes Gonçalves Gouvea Gracia Gradis Gramacho Guadalupe Guedes Gueybara Gueiros Guerra Guerreiro Gusmão Guterres

H/I

Henriques Homem Idanha Iscol Isidro Jordão Jorge Jubim Julião

L

Lafaia Lago Laguna Lamy Lara Lassa Leal Leão Ledesma Leitão Leite Lemos Lima Liz Lobo Lopes Loucão Loureiro Lourenço Louzada Lucena Luiz Luna Luzarte

M

Macedo Machado Machuca Madeira Madureira Magalhães Maia Maioral Maj Maldonado Malheiro Manem Manganes Manhanas Manoel Manzona Marçal Marques Martins Mascarenhas Mattos Matoso Medalha Medeiros Medina Melão Mello Mendanha Mendes Mendonça Menezes Mesquita Mezas Milão Miles Miranda Moeda Mogadouro Mogo Molina Monforte Monguinho Moniz Monsanto Montearroyo Monteiro Montes Montezinhos Moraes Morales Morão Morato Moreas Moreira Moreno Motta Moura Mouzinho Munhoz

N

Nabo Nagera Navarro Negrão Neves Nicolao Nobre Nogueira Noronha Novaes Nunes

O

Oliva Olivares Oliveira Oróbio

P

Pacham/Pachão/Paixão Pacheco Paes Paiva Palancho Palhano Pantoja Pardo Paredes Parra Páscoa Passos Paz Pedrozo Pegado Peinado Penalvo Penha Penso Penteado Peralta Perdigão Pereira Peres Pessoa Pestana Picanço Pilar Pimentel Pina Pineda Pinhão Pinheiro Pinto Pires Pisco Pissarro Piteyra Pizarro Pombeiro Ponte Porto Pouzado Prado Preto Proença

Q

Quadros Quaresma Queiroz Quental

R

Rabelo Rabocha Raphael Ramalho Ramires Ramos Rangel Raposo Rasquete Rebello Rego Reis Rezende Ribeiro Rios Robles Rocha Rodriguez Roldão Romão Romeiro Rosário Rosa Rosas Rozado Ruivo Ruiz

S

Sa Salvador Samora Sampaio Samuda Sanches Sandoval Santarém Santiago Santos Saraiva Sarilho Saro Sarzedas Seixas Sena Semedo Sequeira Seralvo Serpa Serqueira Serra Serrano Serrão Serveira Silva Silveira Simão Simões Soares Siqueira Sodenha Sodré Soeyro Sueyro Soeiro Sola Solis Sondo Soutto Souza

T/U

Tagarro Tareu Tavares Taveira Teixeira Telles Thomas Toloza Torres Torrones Tota Tourinho Tovar Trigillos Trigueiros Trindade Uchôa

V/X/Z

Valladolid Vale Valle Valença Valente Vareda Vargas Vasconcellos Vasques Vaz Veiga Veyga Velasco Velez Vellez Velho Veloso Vergueiro Viana Vicente Viegas Vieyra Viera Vigo Vilhalva Vilhegas Vilhena Villa Villalão Villa-Lobos Villanova Villar Villa Real Villella Vilela Vizeu Xavier Ximinez Zuriaga




Pirî Reis, c. 1554. Mapa Mundi.


       Desde jovem eu ouvia falar sobre a ancestralidade judaica de famílias como os Oliveira, Carvalho, Ribeiro, Teixeira, Coelho, Leão e outras. Mas não havia publicações nas quais pudesse pesquisar e encontrar um pouco da verdade dos fatos. Somente nas últimas décadas um enorme volume de trabalhos veio a lume trazendo grandes subsídios sobre esse tema tão desconhecido e mantido secreto por séculos. Visando contribuir para a divulgação de tais conhecimentos aqui faço uma digressão sobre o tema, sabendo que muita coisa ainda precisa ser esclarecida. Existem ainda muitas dúvidas e fatos desconhecidos, mas já existe um substancial corpo de evidências que não podem mais ser questionadas.  


Charles Inselin. Mape Monde planisphere ou carte generale du monde. 17__


      Esta é uma história da saga de várias famílias, que por injunções geográficas acabaram se cruzando e entrecruzando, gerando uma miscigenação sem fim. Casamentos de primos com primas tornou-se uma tradição, para o bem ou para o mal. Para o bem, já que o patrimônio familiar se mantinha preservado entre eles, assim como a união, companheirismo e solidariedade entre todos. Para o mal, com o surgimento de moléstias genéticas degenerativas, que tiveram e ainda têm se manifestado com certa frequência.



Blaeu, Willem Janszoon (1571-1638) Mappe Monde, ca.1725.


      Percebemos que, hoje em dia, os mais jovens desconhecem quase por completo a história de seus antepassados. Procurarei resgatar parte desse passado para que todos o conheçam. Este não é um blog de um historiador, mas sim de um amante da história e da genealogia. Não conto com os instrumentos precisos desenvolvidos pela recente historiografia e pela arqueologia. Mas é um trabalho que me tem requerido um enorme esforço e tempo e procuro me ater, o máximo possível, a fatos já documentados. Faço-o por que gosto e por prazer. Faço-o com amor e, por que não dizer, com respeito e admiração pelos atos de coragem e bravura que muitos encetaram e com tristeza pelos outros atos mesquinhos que a história registrou. Recorro a uma vasta bibliografia colecionada em bibliotecas públicas, arquivos públicos e privados, livrarias, sebos, internet e com a cessão de material genealógico e textos enviados por amigos, parentes e colaboradores. A todos agradeço de coração.

      Um povo que não conhece seu passado não tem futuro!