Durante
a nossa vida
Conhecemos pessoas que vêm e que ficam,
Outras que vêm e passam.
Existem aquelas que
Vêm, ficam, e depois de algum tempo se vão.
Mas existem aquelas que vêm e se vão com uma enorme vontade de ficar...
Charles Chaplin Conhecemos pessoas que vêm e que ficam,
Outras que vêm e passam.
Existem aquelas que
Vêm, ficam, e depois de algum tempo se vão.
Mas existem aquelas que vêm e se vão com uma enorme vontade de ficar...
Corria o ano de 1937. O mundo caminhava vorazmente para o
turbilhão da II Guerra Mundial. Seu fantasma começava a rondar os europeus, sua
indústria, seus gabinetes governamentais, sua cultura e seu ideário. Os
acontecimentos se precipitavam. A geopolítica europeia estava no alvorecer de
convulsões intestinas que levariam à perda de milhões de vítimas com a
hecatombe da guerra. Adolf Hitler, violando o Tratado de Versalhes, havia
invadido e ocupado novamente o Vale do Ruhr, região superindustrializada da
Alemanha e que havia sido ocupada pela França após a I Guerra Mundial. A União
Soviética vivia seu inferno astral iniciado em 1917 e culminado com o início
dos julgamentos espúrios de Moscou no ano anterior, numa sangrenta luta
fratricida e autofágica que dizimou os velhos líderes bolcheviques propiciando
o poder absoluto para Stalin. A Itália vivia o apogeu do fascismo, com sua
violência e perseguições políticas, e colhia os efêmeros louros da invasão militar
à Abissínia, atual Etiópia, numa aventura delirante de Benito Mussolini. A
Espanha entrava no segundo ano de sua não menos sangrenta Guerra Civil que iria
fraturar o país em duas partes irreconciliáveis e manteria esta divisão trágica
por mais 30 anos. O mundo se traumatizou com a notícia do estúpido e criminoso bombardeio pela
Força Aérea Alemã, a pedido do General Francisco Franco, de orientação
fascista, da pequena cidade basca de Guernica, quando perderam a vida
estraçalhados centenas de civis, crianças, adultos e idosos. Dois meses depois
o pintor espanhol Pablo Picasso concluiria sua obra mais famosa, Guernica, imediatamente apresentada na
Exposição Internacional de Paris de 1937. A Inglaterra ainda traumatizada com a
morte do Rei Jorge V, a subida ao trono de seu filho Eduardo VIII e sua
abdicação poucos meses após, a fim de se casar com a divorciada norte-americana
Wallis Simpson, levava ao trono seu irmão George VI, pai da atual rainha
Elizabeth II. Na cadeira de Primeiro Ministro da Grã Bretanha se assentava o
tíbio Neville Chamberlain, um dos responsáveis pelo vórtice que levou à
tragédia da guerra. Nos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt era sacramentado
para seu segundo mandato presidencial. O povo americano ainda estava chocado
com a tragédia do incêndio e total destruição do dirigível Hindemburg, quando um ídolo de sua aviação civil, a piloto Amelia
Earhardt e seu navegador Fred Noonan, dois ícones dos ianques, desaparecem em
um voo solitário nos céus do Oceano Pacífico após decolagem na Nova Guiné. No
Oriente continuavam os lances sangrentos da guerra Sino-Japonesa até que a
vitória final coubesse aos nipônicos. No mundo das artes a Alemanha assistia
emocionada à première da ópera Carmina
Burana, de Carl Orff , em Frankfurt. Nos Estados Unidos os Estúdios de Walt
Disney faziam a sua première de um dos mais consagrados desenhos animados da
história do cinema: Branca de Neve e os
Sete Anões. Ernest Hemingway lançava sua novela To Have and Have Not, transformada em filme de grande sucesso
poucos anos depois e intitulado no Brasil como Uma Aventura na Martinica, com performance extraordinária de
Humphrey Bogart e Lauren Bacall. O maestro Arturo Toscanini, aos 70 anos,
estreava apresentações de concerto pelo rádio, regendo a Orquestra Sinfônica da
NBC, que seria um grande sucesso pelos 15 anos seguintes. Este foi também o ano
de nascimento de grandes astros do cinema, como Vanessa Redgrave, Warren
Beatty, Jack Nicholson, Morgan Freeman, Dustin Hoffman e o diretor Ridley
Scott. O ator e dançarino Fred Astaire encantava as plateias de todo o planeta
com dois de seus maiores desempenhos nos filmes Vamos Dançar?, em que contracenava com a incrível Ginger Rogers, e Cativa e Cativante, contracenado com a
bela Joan Fontaine. Compositores como George e seu irmão Ira Gershwin, Oscar
Hammerstein II, Jerome Kern se encontravam no Olimpo da música popular
norte-americana e eram tocados em todo o mundo. Entretanto, a música mundial
era dominada pelo jazz norte-americano. Orquestras como a de swing de Benny
Goodman explodiam numa popularidade nunca vista anteriormente na história. Sua apresentação
no Carnegie Hall, em janeiro, numa sala de espetáculos eruditos onde o jazz
nunca antes tivera qualquer chance, transformou este gênero musical não apenas
em música dos negros e ex-escravos pobres do sul dos Estados Unidos, mas na
genuína música erudita norte-americana, que já era apreciada em todo o mundo. A
gravação de Sing-sing-sing, ao vivo
em pleno Carnegie Hall, pela Orquestra
de Benny Goodman, levou-o ao hall da fama, permanecendo no primeiro lugar das
paradas de sucesso da revista Bill Board por diversas semanas. Daí em diante
esta orquestra se tornaria uma lenda e hoje é história. Músicos e suas
orquestras, como Count Basie, Duke Ellington, Tommy Dorsey, Guy Lombardo,
faziam o delírio dos fãs mundo afora. Cantores românticos como Bing Crosby
hipnotizavam as massas de jovens pelo planeta. Mahalia Jackson, com seu gospel
inimitável, emocionavam um público cada vez maior. Na França, as músicas de
Charles Trenet, embalavam os jovens, os maduros e os idosos com seu sentimentalismo romântico-patriótico.
Dez anos depois sua antológica Douce
France se tornaria o segundo hino nacional francês depois de tornar-se o hino da Resistência aos nazistas.
O jovem Francisco Luís da Silva Campos. S/d. Autor desconhecido. |
No Brasil o presidente constitucional Getúlio Vargas impôs a
ditadura do Estado Novo, endurecendo o controle político e social do país,
criando uma tirania que duraria até 1945. A constituição do Estado Novo foi
criada e redigida pelo Ministro da Educação e Cultura Francisco Luís da Silva Campos, nascido
em Dores do Indaiá, Minas Gerais. Recrudesceu a repressão aos comunistas,
representada principalmente pela prisão do dirigente Luís Carlos Prestes, líder
da fracassada revolução comunista de 1935 (a Intentona Comunista), e condenado
a 16 anos de prisão. O movimento integralista brasileiro, de nítida coloração
fascista, liderado por Plínio Salgado, jornalista, escritor e político, aumentava
gradualmente o número de seus militantes por todo o território nacional. Plínio
havia participado da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo antes de se enveredar pela política. As músicas
de maior sucesso no Brasil naquele ano da graça de 1937 eram: Carinhoso, de Pixinguinha, na voz de Orlando
Silva; Chão de Estrelas, com Silvio
Caldas; Periquitinho Verde, com Dircinha
Batista; Coração Materno, com Vicente
Celestino; Lábios que Beijei, com Orlando
Silva; Mamãe Eu Quero, com Jararaca e
Ratinho; Serra da Boa Esperança, com
Francisco Alves; Não Tenho Lágrimas,
com Patrício Teixeira e Rosa, com
Orlando Silva. O cinema brasileiro não se destacou naquele ano. Dois filmes foram
lançados: O Bobo do Rei, com direção
de Mesquitinha e roteiro de Joracy Camargo e estrelado por Conchita de Moraes,
Wanda Marchetti e Déa Selva, e Bombonzinho,
uma comédia dirigida por Mesquitinha e estrelada por Dircinha Batista e
Oscarito. O teatro brasileiro vivia uma época de forte censura neste ano em que
foi criado o Serviço Nacional de Teatro pelo Estado Novo. Geralmente se
apresentavam peças de autores internacionais com ênfase em William Shakespeare,
notadamente no eixo Rio de Janeiro e São Paulo.
Francisco Luís da Silva Campos (1891-1968). S/d. Autor desconhecido. |
Esta longa digressão foi necessária para se enfatizar o contexto histórico e cultural em que o mundo vivia naquele ano da graça de 1937. Enquanto tudo era efervescência em outras paragens, numa época em que o mundo estava prestes a mergulhar no horror da guerra, o panorama era bem mais prosaico e manso na hinterlândia brasileira. Entrando no microcosmo da cidade de Dores do Indaiá, no
sertão do Campo Grande, em Minas Gerais, minha mãe, Maria de Oliveira, graduava-se
pela Escola Normal Francisco Campos, em 8 de dezembro de 1937. A Escola Normal,
fundada em 1928 pela extraordinária ação do Ministro Francisco Campos, tivera
sua primeira turma diplomada em 1928. Logo a escola se tornaria renomada pela
excelência de seu ensino, pela qualidade de seus professores e pela seriedade
com que encarava a questão pedagógica. Passou a atrair a atenção de famílias de
toda a região do Alto São Francisco, Alto Paranaíba, demais cidades do Oeste de
Minas e até de outras regiões do estado. Jovens moças de famílias abastadas e
de classe média foram matriculadas por suas famílias nesta escola e passavam a
residir no pensionato, construído na mesma ocasião e chamado de Classes
Anexas. Em 1937 a escola já era bem conhecida em todo o estado. Neste ano a
turma das graduandas não era numerosa, algo em torno de 25 alunas. Todas muito
unidas como se depreende de algumas fotos tomadas em 1936.
Quadro de formatura da primeira turma de normalistas em 1928. Foto do acervo de José Antônio Guimarães de Faria. |
Foi com imenso júbilo que recebi um grande presente: cópia
dessas fotos encaminhadas pelo amigo José Antônio Guimarães de Faria, filho de
Yone Faria Guimarães, uma das normalistas desse citado ano. A meu pedido, e com
imensa amabilidade, José Antônio obteve junto a sua tia D. Maria Helena Fiúza
Guimarães, D. Heleninha, professora aposentada desse nobre educandário, os
nomes de grande parte das alunas aqui retratadas. Alguns anos antes, exatamente
em 2001, eu obtivera junto a minha prima Ceci de Oliveira e seu genro Contardo
Guimarães de Faria os nomes da maioria dos componentes da foto colhida após a celebração
da missa quando da formatura da turma, em 1937, na escadaria da Matriz de Nossa
Senhora das Dores. São fotos excepcionais pela sua qualidade, nitidez, boa
preservação e que retratam um mundo ainda poético, singelo, em que se pode ver
claramente nos rostos das formandas uma aura e uma luminosidade de quem tinha a confiança de possuir um belo porvir. Todas muito jovens, por volta de seus vinte e
poucos anos, irradiavam a alegria do dever quase cumprido.
1936. Profa. Esther Alves e alunas. Acervo de Maria de Oliveira. |
As formandas de 1937 e os professores defronte a Escola Normal Francisco Campos. Foto de autor desconhecido. Acervo de Maria de Oliveira. |
Dores do Indaiá em 1937. Foto tomada de dentro do prédio da Escola Normal, provavelmente pelo mesmo fotógrafo e no mesmo dia em que foi tomada a foto anterior. Acervo de d. Maria das Dores Caetano Guimarães. |
Dores do Indaiá, particularmente a Escola Normal, vivia uma
época de ouro em seu sistema educacional. Grandes mestres iluminavam as aulas
nos diversos educandários. Alguns se tornaram verdadeira lendas do ensino
dorense e mineiro. Destacaram-se os professores dr. José Soares de Carvalho, Henrique Schmitz, de
naturalidade alemã, Cornélio Caetano, o médico Edgard Pinto Fiúza, Waldemar de
Almeida Barbosa, Esther Alves, Eurípedes Campos, oriundas do Rio de Janeiro as
irmãs Iracema, Juracy e Jacira Duffles Teixeira (irmãs do Marechal Henrique Duffles
Teixeira Lott), Aspásia Vieira Ayer, Zilá França Fiúza, Dr. José Argemiro de Moura, Maria
Fiúza Guimarães (Tota) e muitos outros.
Vendo a monografia de conclusão de curso de minha mãe pude
constatar o rigor, o grau de exigência dos professores para com as normalistas,
a fim de que pudessem receber os seus diplomas. Seu tema versou sobre métodos pedagógicos
a serem aplicados na alfabetização de crianças. A Escola se esmerava no ensino
e seu principal objetivo era formar excelentes professoras que, por sua vez,
iriam formar novos alunos, o futuro da nação.
1934. Profas. Aspásia Vieira Ayer e Esther Alves. Foto do acervo de Ângela e Mônica Corrêa. Autor desconhecido. |
Além da Escola Normal Francisco Campos outros educandários em Dores do Indaiá se destacavam na área do ensino em toda a região do Alto São Francisco. Dentre eles o Instituto Guimarães (foto abaixo), fundado pelo prof. Cornélio Caetano, em 1911, e que sobreviveu até meados da década de 1920.
1929. Colégio Dorense, fundado pelo prof. Henrique Schmitz em 1927. Turma da profa. Iracema Duffles Teixeira. Acervo de Maria de Oliveira. |
Década de 1930. Colégio Dorense. Prof. Cornélio Caetano e alunos. S/d. Autor desconhecido.
Acervo de Ângela e Mônica Corrêa.
|
1937, Colégio Dorense (já se chamando Ginásio Dorense). Prof. Waldemar de Almeida Barbosa e alunos. Foto de autor desconhecido. Acervo de d. Maria das Dores Caetano Guimarães. |
Vista aérea de Dores do Indaiá em 1936. Foto de Waldemar de Oliveira. Acervo de Ângela e Mônica Corrêa. |
Vista panorâmica de Dores do Indaiá em meados da década de 1930. Vê-se, à direita, a Matriz de São Sebastião, demolida em 1937. Foto de autor desconhecido. Acervo de Ângela e Mônica Corrêa. |
Quando olho para estas fotos me transporto para um tempo que
não vivi, não senti, não experimentei. Mas é como se eu ali estivesse, em carne
e osso, amigo, colega ou confidente dessas jovens. Coloco-me no papel do
professor e imagino quão gratificante devia ser lecionar para uma turma que se
revelava tão unida, tão companheira, tão amiga, tão irmanada num sentimento de solidariedade.
Coisas que vi poucas vezes nas várias décadas em que eu mesmo fui professor.
Como devia ser bom ensinar essas jovens a dar aulas, orientá-las nos meandros
da pedagogia educacional, nos princípios de puericultura e higiene
materno-infantil, mostrar o que era uma célula ao microscópio, oferecer noções
de botânica, ou demonstrar as reações ácido-base em um tubo de ensaio. Sim, a
Escola Normal possuía laboratórios de química, física e biologia,
providenciados pelo grande prof. Schmitz, importados da Alemanha. Dilapidados
com os anos, não se fala mais nos laboratórios da Escola.
As normalistas eram treinadas no método Decroly para a
alfabetização de crianças. O grande médico e educador belga Ovide Decroly,
conhecido universalmente, criador do Método Global em educação, foi a grande
estrela-guia da pedagogia daqueles tempos. Tempos que duraram longo período,
pois eu mesmo fui alfabetizado, em 1951, através do Método Global. Este método
partia do princípio de que a criança aprenderia com mais facilidade se fosse
apresentada inicialmente ao conjunto de uma ideia, por exemplo uma frase. A frase
é memorizada e progressivamente dividida em palavras e sílabas com a devida
associação fonética à gráfica (associação de fonemas e grafemas). Por fim, a
decomposição das sílabas e seus sons em letras que serão utilizadas para compor
novas sílabas e palavras. Este método foi adotado em Minas Gerais com a reforma
do ensino e da educação instituído pelo Secretário do Interior e da Educação, Francisco Campos, em 1927, no governo Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Ele
fora o dorense de maior destaque na história desta cidade. Ficou conhecida como
Reforma Francisco Campos. Estimulada pela sua mestra Lúcia Casasanta, uma das
alunas do Instituto de Aperfeiçoamento (atual Instituto de Educação), Anita
Fonseca, criou uma cartilha, chamada de pré-livro, que recebeu o nome de “O
Livro de Lili”. Este ganhou o concurso instituído por Lúcia Casasanta e sua
cartilha foi adotada nos cursos fundamentais, então chamados de primários, em
Minas Gerais. Em sua primeira lição os alunos se deparam com o seguinte texto:
“Lili,
Olhem para mim,
Eu me chamo Lili,
Eu comi muito doce,
Vocês gostam de doce?
Eu gosto muito de doce!”
Observa-se que apresenta um texto de fácil compreensão para
uma criança de 7 anos, um tema que apela para a cultura e os costumes locais,
para a rotina de vida e os valores éticos e morais das famílias do período.
Publicado pela primeira vez em 1930, passou por 83 edições até que o método
global fosse substituído por novas orientações pedagógicas em meados da década
de 1960. Lúcia Casasanta fora diretora da Escola de Aperfeiçoamento/Instituto
de Educação e, posteriormente, Secretária de Estado da Educação de Minas
Gerais. Granjeou fama nacional e internacional.
É preciso ser enfatizado que a Escola Normal Francisco Campos
era considerada a terceira escola para normalistas do estado de Minas Gerais,
vindo em primeiro lugar o Instituto de Educação, em Belo Horizonte e, em
segundo, a Escola Normal de Juiz de Fora. O Método Global, com sua inovadora
instrução de aprendizado através da memorização de uma pequena frase, a visão
gráfica do seu conjunto, sua associação aos sons, em vez do velho e surrado
método da silabação, foi revolucionário e formou gerações de pessoas que se
tornariam luminares nas letras, nas ciências, nas artes e em outras áreas do
conhecimento humano em Minas Gerais. Criticado por muitos, tido como elitista e
fruto de um período autoritário na política brasileira (o Estado Novo), por
desenvolver preconceitos sexistas e de raça (seria voltado para a população
branca) e de maior poder aquisitivo, questionado por novos conhecimentos desenvolvidos
por uma incipiente neurociência, foi abandonado por volta de 1965. Jaz esquecido
hoje nos livros de história da pedagogia. Os métodos que o sucederam formaram e
continuam formando gerações de pessoas que mal pronunciam o vernáculo, não
sabem escrever e interpretar textos. Os chamados analfabetos funcionais. Uma
catástrofe!
Minha mãe se foi muito cedo. Tinha apenas 37 anos quando problemas
cardíacos acabaram por minar toda sua resistência corporal, após anos de
sofrimento intenso. Recebeu em vida o carinho, a atenção e o amor de todos os
seus. Deixou duas sementinhas pequeninas, dois filhos que lhe honraram a
biografia. Não teve tempo de acompanhar as colegas da Escola em sua vida
familiar, social e profissional. Não pode ver o sucesso na carreira docente de
uma ou outra de suas colegas, pouco participou das recepções de seus noivados e
matrimônios, pouco acompanhou suas vidas em suas novas famílias, pouco pode conhecer
seus filhos e netos. Quão orgulhosa ela seria se pudesse descortinar a vida e o
desempenho dos descendentes de suas tão queridas e amadas colegas!
Lembro-me muito bem, que quando vivi por algum tempo em
Dores do Indaiá na década de 1950, havia sempre alguém a me lembrar que tinha
sido colega dela na Escola e por quem nutria grande saudade. Me falavam de seus
atributos pessoais, de sua bondade, de sua meiguice, de seu carinho para com
todas, de seu apreço pelos professores. Este carinho era retribuído pelos
mestres. Um deles, o ilustre médico dr. Edgard Pinto Fiúza visitou meus pais em
São Paulo quando eles ali residiam no início da década de 1940, o que foi
registrado em magnífica foto. Ao rever estas fotos sou tomado pela emoção!
Belos tempos! Quanta saudade! Quanta poesia e lirismo nesse período único da história dorense! Memória que urge ser resgatada!
Se viva fosse quando, em 1951, a rainha das poetisas
brasileiras Cecília Meireles escreveu seu poema Recado aos Amigos Distantes tenho certeza que Maria de Oliveira teria feito suas estes versos:
Recado aos Amigos Distantes
Cecília Meireles, in 'Poemas (1951)'
Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.
Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.
Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.
Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.
Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.
Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.
Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.
Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.
Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.
ANEXO
Textos do Livro de Lili
1. Lili
Olhem para mim.
Eu me chamo Lili.
Eu comi muito doce.
Vocês gostam de doce?
Eu gosto tanto de doce!
2. Lili em seu piano
Lili toca piano.
Lili toca assim
Dó, ré, mi, fá...
Suzete é a cachorrinha.
Suzete ouve Lili tocar.
Toca Lili, toca dó, ré, mi, fá...
3. A cozinheira
Olhem esta cozinheira!
A cozinheira é a Lili.
Lili gosta de doce.
Ela faz doce de abacaxi.
Joãozinho, você quer doce?
Você gosta de doce de abacaxi?
4. As meias de Lili
Eu vou calçar as minhas meias
As minhas meias são azuis.
Que pena! A minha meia tão bonita está furada!
Eu não sei coser!
Como há de ser?
5. As bonecas de Lili
Lalá, Bebê, Clarinha.
Lili dizia dorme assim nã, nã, nã.
Eu também vou dormir.
6. (Sem título)
Lili está brincando com a boneca.
A boneca fica de pé.
Lili fala para a boneca:
- Anda, anda, Lalá!
Lalá anda, anda.
Lili pega Lalá.
7. (Sem título)
Eu me chamo Joãozinho.
Este automóvel é meu.
Meu automóvel faz assim: fon-fon.
Totó passeia comigo.
Totó é o meu cachorrinho.
Você quer passear no meu automóvel, Lili?